Entre tantas pessoas que conheciam e conviviam com Bernardo Boldrini, de 11 anos, encontrado morto no Rio Grande do Sul, duas se destacam no vínculo afetivo com o garoto: Carlos e Juçara Petry. O sentimento entre eles era tão grande que ela conta que era chamada de "mãe" pelo menino. O marido Carlos torcia pelo fortalecimento da família da criança, fragilizada pelo suicídio da mãe em 2010, pela relação distante com o pai, o médico Leandro Boldrini, e pela inimizade criada com a madrasta, a enfermeira Graciele Ugolini Boldrini.
A família vivia em Três Passos, no Noroeste do estado, onde o menino havia sido visto pela última vez no dia 4 de abril. Após 10 dias, o corpo da criança foi encontrado em Frederico Westphalen, no Norte gaúcho. Leandro e Graciele foram presos, bem como a assistente social Edelvania Wirganovicz, por suspeita do assassinato.
Muito emocionado, o casal expôs o sentimento que nutria por Bernardo em entrevista nesta quinta-feira (17). "Era o nosso filho do coração", resumiu Juçara. Enquanto enxugava as lágrimas que escorriam pelo rosto, a empresária recordava o comportamento do garoto. "Ele abria a porta do carro para mim, carregava as sacolas, dizia que estava cuidando de mim."
O marido de Juçara, tio Carlinhos ? apelido carinhoso dado pelo menino ? lembra, com pesar, que Bernardo era apaixonado por Leandro. "Ele adorava o pai dele. Ele amava o pai. Era o herói dele. Isso inclusive está escrito em um trabalho do colégio dele. A gente conseguiu manter esse sentimento nele. Dizíamos para o Bê que o pai dele salvava vidas", disse.
Lembranças de Dia das Mães e trabalhos de escola que Bernardo deu para a "mãe adotiva" são guardados com carinho pelo casal. "Isso tudo foi ele quem me deu de presente. É uma lembrança que ele deixou para a gente", lamenta Juçara. "Deus colocou um anjo na nossa vida para aprendermos", afirma a mulher, evangélica, enquanto mostrava um "certificado de melhor mãe do mundo", com a assinatura de Bernardo embaixo, e um trabalho de inglês no qual o menino escreveu "Juçara" como resposta ao enunciado que questionava o nome de sua mãe.
O casal diz que a relação com a família Boldrini mudou completamente depois da morte da mãe de Bernardo, há quatro anos. "Antes da morte dela, tanto o pai como a mãe do Bernardo conviviam conosco, tomavam chimarrão e tudo. Depois as coisas mudaram. Para o Bê foi um mundo que desabou", definiu Carlos.
Madrasta tentou asfixia, diz avó
Uma ex-babá de Bernardo afirmou nesta quinta-feira (17) que o menino foi agredido pela madrasta em novembro do ano passado na casa onde a família morava. Segundo Elaine Raber, 47 anos, o garoto a procurou para contar ter sido vítima de uma tentativa de asfixiamento com um travesseiro.
A babá conta que, ao saber do episódio fez contatos com a vó materna de Bernardo, Jussara Uglione, que reside em Santa Maria. Os advogados dela acionaram o Conselho Tutelar e o Ministério Público Estadual. Dias depois, a diarista foi chamada para depoimento na Polícia Civil, mas, segundo ela, omitiu a agressão detalhada por Bernardo a ela "por medo" de sofrer represálias.
O advogado Marlon Taborda, contratado pela avó materna, disse que desde o ano passado usava o relato da babá para solicitar que a guarda provisória de Bernardo fosse repassada para a avó. Via e-mail, o defensor procurou a Promotoria da Infância e da Juventude de Três Passos, que investigava desde novembro as suspeitas de negligência afetiva por parte do pai do menino, para alertar sobre a situação.
Possíveis indiciamentos
Nesta quinta-feira (17), a delegada Caroline Virginia Bamberg, responsável pela investigação, afirmou que faltam detalhes para ela ter convicção do crime pelo qual o médico Leandro Boldrini, a madrasta Graciele Ugolini Boldrini e a assistente social Edelvania Wirganovicz deverão ser indiciados.
"A probabilidade disso é bem grande, de que os três sejam indiciados por este crime", disse a delegada, acrescentando que pelo menos dois dos suspeitos podem ser indiciados por homicídio triplamente qualificado. "Ainda faltam detalhes e eu tenho que ver isso", completou.
A polícia também informou que apreendeu três carros, um Fiat Siena cinza, que pertencia a Edelvania, um Mitsubishi L200 prata, da madrasta da criança, e um Hyundai Veloster vermelho, do pai do garoto.
Questionada em qual veículo o menino foi transportado para ser enterrado, Caroline não respondeu, mas confirmou que foi encontrada areia no veículo da assistente social.
A delegada afirma que a investigação "tem como praticamente certa" a motivação do crime, mas não confirma. Uma das hipóteses é que Edelvania foi paga pela madrasta do garoto para ajudar. Caroline afirma que a condição financeira da enfermeira era muito superior à da amiga. "Não dá para se comparar o padrão de vida dela com o da madrasta do Bernardo, isso é visível", afirmou.
Caso corre em segredo de Justiça
A investigação corre em segredo de Justiça e poucos detalhes são fornecidos à imprensa. Mas, de acordo com a delegada Caroline, a Polícia Civil diz ter certeza do envolvimento do pai, da madrasta e da amiga da mulher no sumiço do menino. "Precisamos identificar o que cada um fez para a condenação", afirmou.
De acordo com a família, Bernardo havia sido visto pela última vez às 18h do dia 4 de abril, quando ia dormir na casa de um amigo, que ficava a duas quadras de distância da residência da família. No domingo (6), o pai do menino disse que foi até a casa do amigo, mas foi comunicado que o filho não estava lá e nem havia chegado nos dias anteriores.
No início da tarde do dia 4 de abril, a madrasta foi multada por excesso de velocidade. A infração foi registrada na ERS-472, em um trecho entre os municípios de Tenente Portela e Palmitinho. A mulher trafegava a 117 km/h e seguia em direção a Frederico Westphalen. O Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) disse que a mulher estava acompanhada do menino.
?O menino estava no banco de trás do carro e não parecia ameaçado ou assustado. Já a mulher estava calma, muito calma, mesmo depois de ser multada?, relatou o sargento Carlos Vanderlei da Veiga, do CRBM. A madrasta informou que ia a Frederico Westphalen comprar um televisor.