Quando entram na sala de casa, o despachante Jorge Duarte, de 65 anos, e a comerciante Leonice Reis, de 58 anos, encontram um objeto que traz dor e péssimas lembranças: um cilindro de quatro metros cúbicos de oxigênio líquido. Esse é apenas um dos quatro aparelhos de uso hospitalar que a família guarda dentro de casa há um ano e três meses, desde que o filho André Ramon, de 35 anos, morreu de esclerose lateral amiotrófica. Para ter direito aos equipamentos, a família teve que entrar na Justiça. A prefeitura foi obrigada a entregar o material e, agora, o casal precisa de outra decisão judicial para que ele seja retirado. A história é ainda pior porque os aparelhos enviados para o apartamento do casal, em Irajá, eram inadequados e André nunca pôde usá-los.
? Todos os dias, a minha esposa olha para esses aparelhos e chora. Isso é uma tortura ? disse Jorge.
A prefeitura do Rio comprou dois aparelhos e alugou outros dois por ordem judicial. Dois deles custam, cada um, R$ 365 mensais. Os demais equipamentos custaram R$ 120. Como eles estão há um ano e meio no apartamento, foram R$ 6.690 de dinheiro público desperdiçado. Eles nunca foram usados porque são para pacientes que respiram pelo nariz. André tinha feito traqueostomia .
A família conta que a luta para devolver os aparelhos se arrasta. Na semana seguinte à morte de André, em março de 2011, os pais entraram em contato com a empresa fornecedora, a Air Liquid, pedindo que os equipamentos fossem retirados.
? A atendente me disse que a retirada só poderia ser feita a pedido do mesmo órgão que havia solicitado a entrega. Eu liguei várias outras vezes, sem sucesso. Então, procurei a Defensoria Pública ? disse Jorge.
De lá pra cá, foram feitas três petições a juízes e um mandado do Juizado Especial Federal foi expedido e entregue em setembro à prefeitura do Rio, que teve dez dias de prazo para retirar os aparelhos. A prefeitura não se manifestou e, em dezembro, o caso foi arquivado.
A defensora pública federal Suzana de Queiroz , que enviou a terceira petição à Justiça no último sábado, disse que o processo havia sido arquivado devido à morte de uma das partes. Mas admitiu que não só o arquivamento foi um erro como também a ausência de manifestação por parte de todas as esferas do governo.
? A entrega foi feita por uma ordem judicial. Então, nesse caso, se for feita a devolução sem outra ordem da Justiça, a pessoa pode ter problemas. A família recebeu essa orientação da Defensoria e foi bom a empresa ter se recusado porque poderia dar problema com a prefeitura, já que eles assinaram um termo de responsabilidade pelos equipamentos ? concluiu a defensora, que acrescentou que espera que o caso seja resolvido, nos próximos dias, com a petição enviada por ela à Justiça.
Em nota, a empresa informou que a retirada do equipamento poderia ser solicitada diretamente pela família, com a apresentação de atestado de óbito. A empresa acrescentou, ainda, que a prefeitura solicitou à Air Liquid a retirada do equipamento entre ontem e hoje. A Secretaria municipal de Saúde do Rio disse que determinaria a retirada imediata.