No último sábado (15) o Batalhão de Polícia Ambiental (BPA) apreendeu 26 pássaros silvestres na zona rural de Teresina. Os animais foram encontrados em gaiolas e cativeiros. Dez dias antes, Policiais do Grupamento da Polícia Militar (GPM) de Buriti dos Lopes (a 236 km de Teresina) apreenderam 70 aves silvestres, vivendo sob as mesmas condições, no Povoado Coroa de São Remígio, zona rural do município.
Pato-putrião, marreca-viúva, xexéu, primavera, bem-te-vi, papa-capim-capuchinho, sabiá, cardeal-do-nordeste, fim-fim, bigodinho e outras aves, membros da fauna piauiense, estão entre as espécies apreendidas nas duas operações.
Apesar da Lei Federal nº 9605/1998 considerar crime o ato de apanhar espécimes da fauna silvestre sem autorização, a prática que provoca sofrimento aos animais é corriqueira no Piauí. De acordo com o BPA, de janeiro a julho deste ano, 3.195 aves de diferentes espécies foram apreendidas no estado, a maior parte na capital.
Wedson Medeiros, biólogo, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e especialista em etnozoologia, explica que a cultura de criar aves em gaiolas e viveiros inadequados vem reduzindo drasticamente as populações das espécies.
"Isso pode levar extinção local, ou seja, o animal até existe na natureza, mas em determinada área onde ele ocorria, desaparece, é o que a gente chama de extirpação. Antes de sofrer extirpação, as populações de cada uma das espécies que foram capturadas podem ir diminuindo severamente, comprometendo a própria viabilidade das populações", explica.
Para entender esse processo, é preciso saber que existem variações de acordo com o modo de vida do animal e que cada população exige uma quantidade mínima de indivíduos para poder sobreviver. "Abaixo dessa quantidade mínima, vão aparecendo seja doenças de natureza genética, porque a população vai ficando um pouco endógena, seja também a maior chance de uma doença bacteriana, viral ou a falta de algum recurso levar toda essa população ao desaparecimento", completa o professor.
A retirada dos animais da natureza pode causar um impacto em médio ou curto espaço de tempo, dependendo da intensidade em que ocorre. Se for maior que a taxa de reposição dos indivíduos, isso vai gerar um processo crescente de diminuição das populações. Em cativeiros ou gaiolas, o fato dos animais apresentarem um aspecto físico diferente dos demais, livres, chama a atenção.
"Em cativeiro, geralmente eles sofrem com os machucados provocados pelos lugares onde eles são mantidos. Além disso, algumas espécies que são territorialistas começam a disputar o território entre si. Diante das lesões, já alerta a possibilidade de ampliação da contaminação por agentes patológicos, bactérias e fungos em virtude do animal ter ferimentos expostos frequentemente", destaca.
Retirar da natureza e privar da liberdade também compromete a alimentação de um animal silvestre, o que provoca insuficiência nutricional e resulta em perda de penas, dificuldade de crescimento e alteração comportamental em indivíduos juvenis.
Um animal que está há muito tempo aprisionado pode apresentar dificuldades de retornar à natureza. A partir disso, vale destacar que quando apreendido, a soltura não deve ser realizada de imediato, pois as aves ficam mais expostas à predação, doenças e enfrentam dificuldade de conseguir água e alimento. É necessário um planejamento e observação por um órgão ambiental.
"É importante que ele seja levado para um centro para manutenção, para algum local em que possa permanecer um tempo para ocorrer a devida recuperação e verificar se é viável a liberação desse animal".
Por menor que seja o indivíduo, ele faz parte de todo um esquema natural. Esses animais também são responsáveis pelo processo de passagem química do fruto pelo trato digestivo, que facilita o nascimento de novas plantas e também na dispersão de sementes. A alteração no equilíbrio natural das aves ocasiona um efeito cascata. "Por sua vez, isso também afeta a natureza do ponto de vista da biodiversidade de plantas, principalmente as plantas frutíferas que dependem muito desses animais para dispersão de sementes ou então para polinização", aponta Wedson.
A captura de aves como papagaios e araras, grandes vítimas do tráfico, geralmente gera problemas na capacidade de dispersão de sementes de palmeiras, como babaçu. As outras plantas graníferas (que contém sementes) dependem tanto do vento como também das pequenas aves como bigode, fim-fim e papa-capim.
No Piauí, felizmente, poucas espécies estão categorizadas nas listas de ameaça de extinção da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Porém, entre algumas sob ameaça, está o pintassilgo-do-nordeste (Spinus yarrellii). A ave miúda de asas mescladas entre amarelo e preto já desapareceu em boa da Paraíba, Pernambuco e sul do Ceará. O pássaro ainda é avistado no sul do Piauí, vulnerável em razão do desmatamento e tráfico de animais silvestres.
Outra espécie ameaçada, de acordo com o ICMBio, é a arara-azul-grande (Anodorhynchus hyacinthinus). "Ela tinha ocorrência relativamente frequente pela literatura no sul do Piauí na região das Serras das Confusões. Embora ela ainda seja avistada, hoje é raramente vista, ou seja, é o indicativo de depleção, de uma espécie que está desaparecendo", frisa o biólogo.
Além dela, a jandaia-verdadeira (Aratinga jandaya) tem desaparecido de algumas áreas do centro-sul Piauí e resto do Nordeste, vítima de captura para fins de estimação. "Seguramente, muitas espécies da família thraupidae, que inclui papa-capim, bigode, essas aves de pequeno porte, embora não estejam ameaçadas, podem estar com sua população em espécie de diminuição em virtude da captura de animais silvestres", relata.