Assim que o surto do novo coronavírus começou na Europa, a Itália foi o epicentro da pandemia, um lugar para ser evitado, uma espécie de forma reduzida dos Estados Unidos e Brasil atual e uma grande representação do contágio descontrolado no continente europeu.
Atualmente, no continente, a Espanha registrou surtos em algumas regiões. O Reino Unido adiou a nova fase de desconfinamento e impôs mais restrições. E até a Alemanha, elogiada pela sua atuação contra a pandemia, afirmou que o comportamento negligente está provocando um aumento de casos.
Mas e a Itália? Os hospitais do país basicamente não têm mais pacientes com Covid-19. As mortes diárias, especialmente na Lombardia, a região no Norte que mais sofreu o impacto da pandemia, estão por volta de zero. O número de novos casos diários caiu para “um dos mais baixos da Europa e do mundo”, disse Giovanni Rezza, diretor do departamento de doenças infecciosas do Instituto Nacional de Saúde.
“Temos sido muito prudentes”, avaliou Rezza. Após um início complicado, a Itália consolidou, ou pelo menos manteve, as recompensas de uma rigorosa quarentena por meio de uma mistura de vigilância com a dolorosa experiência médica adquirida.
O governo tem sido orientado por comitês científicos e técnicos. Médicos, hospitais e autoridades de saúde locais coletam diariamente mais de 20 indicadores sobre o vírus e os enviam para as autoridades regionais, que os encaminham ao Instituto Nacional de Saúde.
O resultado disso é um raio-x semanal da situação da saúde no país, no qual se baseiam as decisões políticas. O cenário atual está muito longe dos momentos de pânico e do colapso que atingiu a Itália em março. O Parlamento prorrogou o estado de emergência do país até 15 de outubro, depois que o primeiro-ministro Giuseppe Conte argumentou que o país não podia baixar a guarda “porque o vírus ainda está circulando”.
Esses poderes permitem ao governo manter as restrições em vigor e responder rapidamente — inclusive com quarentenas — a qualquer novo problema. O governo já impôs restrições de viagem a mais de uma dúzia de países, já que a importação do vírus de outros lugares é hoje o maior medo.
“Estão surgindo novos casos na França, na Espanha e nos Bálcãs, o que significa que o vírus não sumiu totalmente”, disse Ranieri Guerra, diretor-geral-assistente de iniciativas estratégicas da Organização Mundial de Saúde e médico italiano. “O vírus pode voltar a qualquer momento”.
Não há dúvida de que a quarentena teve um custo para a economia. Durante três meses, empresas e restaurantes foram fechados, o movimento foi altamente restrito — mesmo entre regiões, cidades e até ruas — e o turismo parou. Espera-se que a Itália perca cerca de 10% de seu PIB este ano.
Mas, a certa altura, quando o vírus ameaçou se espalhar incontrolavelmente, as autoridades italianas decidiram pôr vidas à frente da economia. “A saúde do povo italiano vem e sempre virá em primeiro lugar”, disse Conte à época.
A estratégia de adotar uma quarentena rigoroso trouxe críticas de que a excessiva cautela do governo estava paralisando a economia. Mas pode revelar-se mais vantajosa do que tentar retomar as atividades econômicas enquanto o vírus ainda permanece forte, como está acontecendo em países como Estados Unidos, México e Brasil.
Isso não significa que os pedidos para manter os cuidados, como em outras partes do mundo, tenham sido imunes a piadas, resistência e irritação. Muitas vezes, as máscaras são abaixadas ou simplesmente não estão sendo usadas em trens ou ônibus, onde são obrigatórias. Os jovens estão saindo e fazendo o que jovens fazem — correndo risco de espalhar o vírus para a população mais suscetível. Os adultos começaram a se reunir na praia e nos churrascos de aniversário e ainda não há um plano claro de retorno às aulas, o que ocorrerá em setembro.
Há também um movimento antimáscaras motivado politicamente e liderado pelo ultranacionalista Matteo Salvini, que em 27 de julho declarou que se cumprimentar com os cotovelos, ao invés de apertos de mãos e abraços, era “o fim da espécie humana”.