Por Cinthia Lages
Direto de Portugal
A partir da segunda quinzena de julho e durante o mês de agosto, as mansões da Quinta do Lago, no Algarve, recebem os turistas que lotam as praias da região. É a alta temporada na Palm Beach portuguesa com campos de golfe com fila de espera e rollys roice nas garagens das casas.
Dentre as celebridades que costumam aparecer no período está o jogador Cristiano Ronald. No último sábado, a empresária Lucinete de Sousa, a Lucy, 46, dirigiu os 600 km que ligam Porto à cidade. Com ela, a chef de cozinha Ana Sales, contratada para assinar o cardápio de uma das residências da Quinta.
Lucy checa as instalações, repassa orientações, conversa com os ocupantes do imóvel e fica à disposição para conferir o andamento da casa durante a temporada. A mesma rotina ela repete em outras casas na Albufeira, cidade próxima e também reduto turístico elegante.
@fromhome
O monitoramento é parte do trabalho da piauiense que administra uma empresa, a @fromhome, que contrata funcionários para trabalho doméstico.
E já se passaram 19 anos desde que Lucy decidiu ir embora de Teresina em busca de uma vida melhor e enfrentou todas as dificuldades dos migrantes. “Vim chorando de Teresina até Portugal, com o coração a sangrar de tantas saudades mas em momento algum, eu pensei em desistir , por mim , pelos meus filhos e pela minha família”, recorda.
O primeiro trabalho foi em um infantário
Mãe de Francisco Laércio,28 e Laysa Cristina,27, Lucy é casada, há 15 anos, com Paulo Machado, português que ela conheceu alguns anos após chegar ao país, deixando para trás, a família e o trabalho de recepcionista de um salão de beleza. “
Em 2002 eu decidi vir para Portugal, a minha vida no Brasil estava muito complicada e difícil. Eu tinha 2 empregos e mesmo assim, no final do mês, contava as moedas para pagar o ônibus e eu não queria aquela vida nem para mim e nem para os meus filhos”, diz. Embora sonhasse em viver no país europeu, a decisão da mudança não foi fácil.
“Sempre que estava com minhas amigas, eu dizia que ia ser uma mulher internacional , que ia vencer na vida e que alguma coisa me dizia que o meu futuro estava bem longe dali, estava em outro país, não sabia qual, mas tinha a certeza que não era alí”, conta. Foi quando surgiu a oportunidade de ir morar em Portugal.
Deixou tudo e seguiu
Ela pediu demissão dos empregos e entrou no avião. Os filhos pequenos ficaram com a mãe, dona Francisca. Além da saudade dos filhos, Lucy enfrentava outras barreiras. “Fui muito criticada, me chamavam de aventureira, que eu tinha abandonado os meus filhos com minha mãe e irmãs para vir aventurar em Portugal.
O primeiro emprego só apareceu no segundo mês, quando estava quase sem recursos para se manter. Ela trabalhava num Infantário, uma creche, durante sete meses, “dormia em um quarto alugado com uma amiga e a filha dela de 12 anos. Éramos três a dormir em um colchão”, conta. Sem experiência alguma, ela enfrentou o desafio de trabalhar como doméstica. Primeiro, como cozinheira. A casa tinha muitos empregados e uma governanta portuguesa que não facilitava a vida para a piauiense. “Ela me humilhava demais, me fez passar momentos muito difíceis, me dificultava todo o trabalho para que eu não aguentasse e fosse embora”. (C.L)
Experiência valeu como aprendizado
Diz Lucy que perdeu as contas de quantas vezes “ia a chorar para o trabalho mas pedindo a Deus que me desse forças para aguentar, não podia perder aquele trabalho”. No final da história, a megera foi demitida e Lucy ocupou o posto que a trouxe os ensinamentos que foram a base para a empresa.
Além de tudo que aprendeu sobre organização de casa em mais de uma década de trabalho, ela também utiliza os perrengues pelos quais passou, desde que começou a fazer o trabalho doméstico, na hora do recrutamento.
Certa vez, Lucy e uma outra empregada foram obrigadas a dormir na cozinha da casa, contrariando o contrato de alojamento para as funcionárias. Hoje, na empresa, ela exige condições de conforto e segurança antes de enviar uma empregada para os imóveis.
Negócios
Além da @fromhome20, Lucy expandiu o negócio e abriu uma empresa de turismo com a cunhada, Sônia Machado, a @guesthome, que consiste em alugar casas para turistas. A dupla já tem quatro imóveis, um deles abriu um nicho do turismo rural, numa Quinta, espécie de chácara, a 100 km de Porto. Nem tudo são flores no caminho quem muda para Portugal, dificuldade agravada pela pandemia. “Infelizmente existe nesse momento muitos brasileiros com dificuldades aqui e muitos deles até voltaram para o Brasil”, lamenta.
“Nesse momento, não está nada fácil arranjar trabalho aqui em Portugal, mas também não vou dizer que é impossível...pelo menos para empregadas domésticas as pessoas continuam à procura”, garante.
A maioria das pessoas treinadas para trabalhar em Porto é de piauienses. Lucy também ajuda os amigos que buscam segurança e melhor qualidade de vida nas cidades portuguesas, uma delas, uma amiga que começou a trabalhar como manicure então arranjou um trabalho de manicure em um salão e montou o próprio negócio com outra brasileira.
Bem sucedida
Além de bem sucedida nos negócios, Lucy tem mais motivos para comemorar. Os dois filhos moram com ela, e também, trabalham em outras áreas que escolheram. Nenhum deles quer voltar a morar em Teresina. Laysa veio primeiro e, há um ano, a família ficou completa com a vinda de Laércio.
Lucy também ajudou uma prima, Eliane, a vir embora para Porto. “Temos segurança qualidade de vida, aqui mesmo com pouco dinheiro você consegue comer bem, morar bem, vestir bem enfim, você trabalha imenso, mas temos resultados”.
Aos que desejam seguir seus passos, ela aconselha: não esperem um mar de rosas. “ Vai ser difícil ? Vai, mas se eu consegui você também consegue, não tenha medo de nada, seja sempre positivo, pense sempre que tudo vai dar certo, tenha muita fé em Deus e nunca desista dos seus sonhos. Foi aqui onde consegui crescer e ser a pessoa que sou hoje, diz acrescentando que a mudança foi a melhor decisão da sua vida”.(C.L)