Cinco lonas pretas e brancas, peda?os de madeira e a sombra de uma ?rvore num ponto tradicional da cidade. "Sejam bem-vindos, rapazes. Eu moro aqui". A sauda??o ? do dono da "casa", o morador de rua Francisco Bastos, mais conhecido como seu Chico. Ele ? uma das fi guras mais notadas da Pra?a da Esta??o. Ali fi xou resid?ncia e n?o pretende sair, mesmo que seja para um lugar melhor. Une religi?o e pecado em sua "vida cansativa", acompanhada por olhares de reprova??o e compaix?o de pessoas que passam pelo local.
A conversa com seu Chico ? interessante: id?ias vagas, imagina??o e pol?tica. O tempo por ele foi esquecido. Sua hist?ria tamb?m. A Prefeitura quer ajud?-lo. Seu Chico n?o topa. Cabelos brancos. Barba longa. Seu Chico aparenta 60 anos. "Tenho 88. Vim de S?o Gon?alo do Amarante. Fiz asfalto e pescava", comenta. Ele n?o sabe h? quanto tempo mora na rua, nem sua origem. N?o tem detalhes de seu passado. "Ca? de um pau-de-arara. Fui para o hospital mental". Diz j? ter sido procurado pela Prefeitura, mas adianta: n?o deixar? sua casa. "A Luizianne n?o me tira daqui. Tasso Jereissati n?o deixa", avisa. "Grande amigo meu, o Tasso.
Vem sempre merendar e jogar baralho", reitera. Os duelos de cartas, ele aponta, ocorrem na entrada de seu barraco, em seu colch?o. "Fico porque gosto. Se eu quisesse, comprava uma casa. Tenho 900 mil cruzados no Banco do Brasil", completa. "Ele ? perturbado", informa Maria L?cia da Silva, 50, "vizinha" de seu Chico. Ele prefere a solid?o. N?o quer abrigo. Teria de deixar a casa e os amigos da pra?a. "Iam dizer (no abrigo) que eu sou terrorista, daquele neg?cio do Orlando (sic) Bin Laden", justifi ca. O mendigo diz apreciar catuaba, cigarro e sexo. Tamb?m ? devoto do padre C?cero, para quem reza ap?s "pensar em mulher". "Vou a Juazeiro ver a est?tua", prev?. Como? "De moto. Eu, Adauto Bezerra e Ciro Gomes", responde.
A comida de seu Chico, segundo Maria L?cia, ? o que sobra de restaurantes pr?ximos. Quando tem moedas, paga R$ 1 para tomar banho. N?o tira a barba por promessa, que n?o lembra qual foi. Utiliza o banheiro de um bar e sempre mant?m limpo o entorno de seu barraco. Escolheu a sombra de uma ?rvore para fugir da chuva. Seu Chico, ?s vezes, tem lampejos de lucidez. "Tamb?m sou fi lho de Deus. Vou procurar meus fi lhos". Onde est?o? O sil?ncio ? a resposta. De acordo com outros moradores de rua, que vivem sob abrigos de ?nibus, seu Chico n?o causa problemas. Alguns dizem que ele, ?s vezes, ? visto sem roupa. H? alguns dias, teria sido agredido por um homem. "A mulher (do homem) caiu e ele foi ajudar. O cidad?o n?o gostou e bateu nele", diz Jos? Raimundo, 43.
Seu Chico est? passando por um trabalho de convencimento por parte da Prefeitura. A Secretaria Municipal de Assist?ncia Social (Semas) quer lev?-lo para algum abrigo, mas ele se op?e. Uma casa que vem sendo reformada para receber o Centro de Atendimento ? Popula??o de Rua seria um das formas de ajud?-lo. O Munic?pio n?o tem dados atualizados sobre a popula??o de ruas e pra?as. Boa parte possui transtornos mentais e j? n?o tem mais documentos ou informa?es sobre a fam?lia.
"Ele se nega a sair. Ali ele tem as amizades, o sustento dele. E ningu?m vai retirar ? for?a, de forma truculenta", diz a coordenadora do centro, Iracema Machado. Segundo ela, o trabalho de convencimento ? lento e vem sendo feito desde o ano passado. O ?ltimo dado do Munic?pio, de 2000, relevou que havia uma popula??o de 2.040 pessoas na rua. O pr?ximo levantamento est? em fase de conclus?o. O Centro de Atendimento, atualmente, funciona na avenida da Universidade, prestando servi?os de sa?de, atendimento psicossocial e encaminhamento a abrigos. Ainda neste semestre, diz Iracema, o centro mudar? de local, passando para a rua Rodrigues J?nior, no Centro. L?, haver? mais servi?os.