Prêmio Piauí Inclusão Social 2013: Capoeira transforma vidas e educa em Teresina

Um esporte é capaz de mudar a vida de muitas crianças e adolescentes e é através da capoeira que Benício consegue mudar a realidade de muitos jovens

Capoeira: esporte que educa e transforma | Jonathan Dourado
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?A roda vai começar? é o som que embala crianças e adolescentes na Vila Costa Rica, em Teresina. Comandadas pelo mestre Boca, apelido do instrutor de capoeira Benício dos Santos Lima, uma velha praça tomou nova vida com berimbaus, atabaques e pandeiro. Há quatro anos, Benício resolveu usar sua habilidade de capoeirista em solidariedade aos pequenos do bairro, em um projeto que vem dando certo, demonstrando o que pode a força do verão provocada por uma andorinha, em nome do coletivo.

Na Praça Nossa Senhora da Lourdes esperam ansiosos 64 alunos para jogar capoeira. Na roda, não tem idade nem distinção entre homens e mulheres e logo é possível ver como jogam faceiras as meninas, de 3 anos de idade, com adolescentes maiores de 15 até 19 anos. E se o berimbau para? ?Que é isso, Benício??, se apressava em perguntar, um pequeno, um pouco sem paciência, quando não escuta o som dos instrumentos que deve animar o jogo.

Benício é capoeirista há 22 anos. Quando perguntado por que resolveu entrar nessa roda, a resposta é simples: ?Eu tinha que fazer algo por estas crianças. Sou capoeirista e minha história também veio de um projeto como este?, diz ressaltando que seu esforço é uma resposta à solidariedade já praticada a seu favor.

Quando não é professor, Benício é segurança em uma escola. O trabalho formal é o que permite desenvolver o projeto, já que os custos para manter as crianças ocupando o espaço da rua para brincar e aprender novas lições são altos. Boca retira do próprio bolso os recursos. Ele conta que chega a pagar por mês cerca de 380 reais apenas com as calças para os alunos, sem contar outros gastos com fardamento, corda e deslocamentos para participação em campeonatos.

Mas não é apenas o recurso financeiro que Benício tira da escola onde trabalha. Outro benefício também foi encontrado na malandragem própria da ginga capoeirista. Ele aproveita para observar seus alunos que em geral estudam naquela escola. Ali não é permitido reprovar, nem sequer tirar notas baixas. ?Trabalhar de vigia na escola me permite acompanhar o andamento no estudo dos meus alunos ou se estão muito na rua?, diz.

?Sou movido pela capoeira, pelo som do berimbau?

?A capoeira é minha vida, já estou aqui há quase um ano e não sei me ver sem ela?, diz Gilderlânia Kelly Pereira de Sousa, enquanto a roda ao fundo toca forte ?Sou movido pela capoeira, pelo berimbau?. Assim como Kelly, as crianças e adolescentes compartilham a sensação de mudança de vida.

Francisco Jeferson da Conceição, 15 anos, se orgulha de hoje já poder ser instrutor e assumir as aulas quando Benício precisa viajar. As transformações em sua vida são claras, para ele e para quem o rodeia. ?Estar na capoeira mudou muito a minha vida. Antes eu ficava muito na rua e hoje já estudo mais?, diz Jeferson.

O adolescente Silvano Oliveira, de 16 anos, concorda que o projeto de Benício tem ajudado muito em um bairro pobre, que carece de estrutura e atividades para os jovens. ?Aqui é muito bom para tirar as pessoas do mundo do crack?, argumenta Silvano, demonstrando uma realidade onde a dependência química é o caminho mais fácil quando faltam perspectivas de futuro.

A falta de esperança para um futuro com boas perspectivas não entra no vocabulário dos jovens quem compõem essa roda. Silvano já pensa em ter uma profissão em que possa lutar pela humanidade.

Os pequenos têm aula nos dias de segunda, quarta, sexta, sábado e domingo e no dia que não têm, não faltam batidas na porta de Benício. ?Quando não tem aula, os estudantes vão atrás de saber porque não teve. Eles gostam muito do projeto?, diz.

Jogo que ensina jovens a viverem no mundo

Silvano conta que a partir do momento que entrou na capoeira passou a ver o mundo de outro modo. ?Eu estava começando a ter amizades ruins, não ia à escola e só ficava na rua. Hoje vejo que a gente aprende muito na capoeira. É como uma escola, ensina a gente a viver no mundo?, diz o adolescente, que chegou a ser reprovado dois anos nos estudos, mas que hoje qualquer nota baixa pode significar uma suspensão nas rodas. ?Antes eu só tirava 5,0 nas provas, hoje só tiro nota boa?.

Outro exemplo de quem passou a se relacionar melhor com o mundo é o, antes tímido, Carlos Eduardo da Silva, 15.

?Antes eu nem saía de casa, nem para jogar bola. Não tinha muitas amizades?, lembra. Quem hoje vê Carlos à frente dos alunos, compartilhando os conhecimentos que foram repassados por Benício, não faria relação com a frase dita anteriormente.

Para Carlos, as aulas de Benício foram uma forma de conhecer melhor o mundo e criar novas e boas formas de relacionamentos na sociedade. E Jeferson ressalta que apenas as boas práticas são permitidas ali. ?Um dos maiores ensinamentos que temos aqui é ter respeito pelas pessoas?, pontua.

Hoje Carlos assume as aulas de capoeira junto a Jeferson quando o professor está ocupado. O garoto assume a frente com desenvoltura de quem tem sede de conhecer mais. Fala ansioso que conheceu muita gente de outros lugares do país e que pretende viajar também. E responde com um sorriso largo, ainda tímido e sereno quando é questionado como é estar na frente das aulas. ?Para mim é demais?, diz ele dando peso à entonação das palavras.

Trabalho de formiguinha que traz resultados

Silvano conta que qualquer indício de maus comportamentos já são controlados pelo mestre e a relação com a família tem que ser cada vez melhor para poder acompanhar tudo isso. Para que o jogo seja como o mestre manda, como diz a música que embala a arte de roda, foi preciso um trabalho, quase de formiguinha. ?Antes as famílias ficavam mais preocupadas, mas hoje já ficam descansadas, porque eu deixo todas as crianças em casa. O bairro ainda é muito perigoso?, diz.

Mas a atividade também vem a suprir uma necessidade de um ambiente familiar tranquilo. ?Tem muito aluno que chega aqui me chamando de pai?, diz Benício. Para ele, este é um reflexo da falta de carinho de pai que muitos ali possuem, por não encontrarem em casa. ?Às vezes, são filhos que não conheceram o pai?, complementa.

Mas ele conta orgulhoso que hoje o local de amenidade e composto por relações solidárias entre todos confere um aspecto familiar àquela praça, que nada tem de diferente, a não ser pelo fato de transpirar solidariedade.

Para Silvano, as aulas também são motivos para organizar melhor a sua vida dentro de casa, na escola e, claro, reservando um tempo para ir à praça. ?Eu acordo de manhã cedinho e vou para a Ceasa ajudar a minha mãe nas compras, pois ela tem uma venda em casa. Chego, descanso um pouco e depois já me arrumo para ir à aula?, fala Silvano.

Jovens encontram novos significados para a rua

A rua é comumente vista como o lugar do perigo, do marginal, mas não é este significado que dão à praça, onde se aglomeram jovens, adultos e velhos em uma mística comum quando o berimbau começa a tocar. Para Gildeane Kelly, o projeto de capoeira na praça permite a ela um processo de ?libertação?, como ela mesma define.

Ela conta que o fato de chegar naquele lugar e poder se distanciar do mundo violento já é um alívio. ?Quando a gente vem para cá é como se a gente se libertasse. A gente vai para a escola, faz tanta coisa e quando chega tem a possibilidade de libertar não só o corpo, mas também a mente?, diz a jovem de 13 anos, demonstrando muita desenvoltura e habilidade para falar.

O que Gildeane mais gosta nas rodas de capoeira é o som do berimbau, mas também não deixa passar o prazer de ultrapassar barreiras, que são derrubadas também ali, naquele ambiente da praça e de rua.

?Às vezes, é mais difícil para a gente que é mulher e está no jogo, porque tem menino que pensa que a gente não é capaz. Mas aí a gente vai lá e prova que pode ser muito boa também. É muito bom deixar todo mundo surpreendido?, fala a jovem sobre seus aprendizados pessoais de compartilhar o mesmo espaço com homens e precisar se superar.

Mas nem tudo são flores e sons vibrantes. Como toda roda de capoeira, também há altos e baixos, momentos mais rápidos e momentos mais lentos, comparativamente aos ritmos de Angola e regionais, o que determina o ritmo dos jogos. Todos ali deixam bem claro que o projeto é desenvolvido pela vontade de todos, mas sob condições adversas de falta de apoio, em uma comunidade esquecida de recursos e de famílias que também se esforçam muito para superar a cada dia os problemas da sobrevivência.

Dono de uma simplicidade aparente em seu modo de falar e agir com os alunos, Benício conta que o projeto poderia ser ainda melhor e cita que a falta de lâmpadas no local tem dificultado as aulas. ?Temos que começar as aulas mais cedo porque estamos sem luz na praça?, conta como se este obstáculo não representasse uma barreira tão grande perante a vontade de transformar o mundo e as pessoas com seu gesto simples de solidariedade.

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