Não há risco de faltar água em São Paulo. E se alguém tem culpa nessa história, é São Pedro e a seca incomum deste ano. Sim, você já deve ter lido em algum lugar essas alegações, quase sempre saídas da boca do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e de demais políticos tucanos nos últimos meses. Contudo, a falta de água já está posta para a população e sim, ao contrário do que dizem nos corredores do Palácio dos Bandeirantes, a crise era previsível.
A afirmação nesse sentido, já conhecida com base nos termos da última outorga para o Sistema Cantareira, datada de 2004 e que pedia “a diminuição da dependência do sistema”, que conta com cinco reservatórios que armazenam água de duas bacias diferentes, foi posta na mesa mais uma vez pelo presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu Guillo.
O especialista esteve na Assembleia Legislativa paulista nesta terça-feira (21), para discutir a crise de água em São Paulo. E ele não poupou críticas – como já fez anteriormente –, pedindo que a situação seja encarada com a ‘verdade’, uma vez que, sem assumir que há racionamento, o governo estadual estará impedido legalmente de sobretaxar o excesso de consumo.
De acordo com o presidente da ANA, o próprio uso do volume morto – que Alckmin insiste em chamar de ‘reserva técnica’ – foi uma sugestão da própria agência, diante da estiagem que se desenhava desde o fim do ano passado, e qualquer obra não ficaria pronta em menos de dois anos. Além disso, ele afirmou que o quadro já era previsível – o que contraria o que afirma há meses o governo do Estado, que até a ONU acabou culpando por opinar sobre o tema.
“Os reservatórios existentes atualmente são pequenos para garantir o abastecimento em São Paulo. Só não faltou água anteriormente porque foram anos de chuva, mas sempre houve esse risco de escassez”, disse Andreu, em declarações reproduzidas pelo site da Assembleia Legislativa de SP. O presidente da ANA ainda pediu investimentos e, principalmente planejamento.
As afirmações pegaram mal também para os deputados estaduais, que não conseguiram instalar uma CPI para investigar a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), já que a bancada governista é amplamente superior e será ainda mais confortável para Alckmin até 2018. Presidente da CPI do tema que corre na Câmara Municipal da capital, Laércio Benko adiantou que pode sugerir o rompimento do contrato com a Sabesp por parte do município.
Por volta das 20h desta terça-feira, o governo divulgou nota em que lamentou o que chamou de ação para "disseminar o pânico em SP". "É lamentável que o presidente de um órgão federal, financiado com o dinheiro do contribuinte, venha disseminar pânico em São Paulo. E pior: em horário de trabalho, participando de um evento patrocinado por um partido em plena campanha eleitoral. Em vez de solidarizar-se com o esforço do povo de São Paulo, o dirigente da agência tenta tirar proveito político de uma crise que se enfrenta com critérios técnicos e a união de todos. São Paulo enfrenta com união, planejamento e obras a maior seca já registrada na região Sudeste do país", diz a nota, assinada pelo secretário-chefe da Casa Civil, Saulo de Castro.
Realidade desmente o Palácio dos Bandeirantes
Dados divulgados na última segunda-feira (20) pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mostram que, dentro de um cenário de 621 relatos da campanha “Tô sem água”, 82% afirmam que falta água a noite. A falta de água todos os dias, pelo menos uma vez, foi apontada por 73% do total. Além disso, 58% dos relatos apontam para um comprometimento na qualidade fornecida pela Sabesp.
Tais números desafiam o quadro negado pela presidente da Sabesp, Dilma Pena. Porém, esses elementos foram alguns dos que o Idec apresentou para representar junto ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e um ofício ao Procon contra a Sabesp. “É tratar o consumidor com o respeito que ele merece. Não é mais questão de ‘dicas contra desperdício’, pois estamos diante de uma crise hídrica”, disse a coordenadora-executiva do Idec, Elici Bueno.
“Não admitir oficialmente o racionamento impede, inclusive, que medidas para punir desperdício de água sejam aplicadas”, emendou o gerente técnico do instituto, Carlos Thadeu de Oliveira.
Alckmin nega, mas você já está bebendo a 2ª cota do volume morto
Na semana passada, a ANA autorizou a captação da segunda cota do volume morto do Cantareira, após dias de atraso no envio da documentação por parte da Sabesp. No documento em que a agência acata a solicitação do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE), de liberar mais 106 bilhões de litros, também consta que o governo Alckmin já havia captado uma pequena porção da cota complementar, o que não havia sido autorizado. O valor corresponde a 4,6 bilhões de litros, segundo o G1.
“Portanto, como a cota verificada no local (776,62 m) estava situada 308 cm abaixo da cota limite autorizada (777,00 m), constata-se o descumprimento da Resolução Conjunta ANA/DAEE número 910, de 2014”, diz trecho do ofício da agência, de 15 de outubro deste ano. Há fotos para comprovar a alegação da ANA, a qual foi negada na mesma semana por Alckmin. A negação nesse ponto lembra a negação de que já exista racionamento na Grande SP, e negar é o que fez a ANA sair do Grupo Técnico de Assessoramento para Gestão do Sistema Cantareira (Gtag-Cantareira).
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