A pandemia de coronavírus coincidiu com um retrocesso na cobertura de vacinação no Brasil e no mundo. Nos últimos dez anos, os dados de vacinas ofertadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), através do Plano Nacional de Imunização (PNI), apresentaram queda. O cenário coloca em risco a saúde da população, especialmente o público mais vulnerável a doenças, como crianças e idosos.
O alerta está presente no resultado de uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que constatou que o Programa Nacional de Imunizações (PNI) não tem atingido as coberturas vacinais recomendadas segundo o Calendário Nacional de Vacinação. A auditoria registrou uma queda em torno de 30% da Cobertura Vacinal (CV) de cada uma das cinco vacinas priorizadas no trabalho de 2015 a 2021.
As vacinas objeto do trabalho foram as destinadas a crianças de até um ano de idade ou de um ano completo, como a Pentavalente, Tríplice Viral, Pneumocócica, Meningococo C e Poliomielite.
Além do risco de retorno de doenças eliminadas e do aumento do número de casos de doenças imunopreveníveis na população, a auditoria também cobra ações de fiscalização coordenada dos tribunais de conta dos estados e municípios para uma avaliação na verificação de estoque e perdas de vacinas localmente.
Uma avaliação da situação das coberturas e homogeneidade das vacinas nos municípios piauienses feita pela Secretaria de Saúde do Estado do Piauí (Sesapi) no período de janeiro a junho de 2022 apontam que apenas 36,17% dos municípios estão com a cobertura adequada da vacina Pentavalente.
O imunizante garante a proteção contra a difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e contra a bactéria haemophilus influenza tipo b, responsável por infecções no nariz, meninge e na garganta. A cobertura da primeira dose da Tríplice Viral, que previne o sarampo, a caxumba e a rubéola, também apresenta um número alarmante. O número adequado de pessoas imunizadas está na faixa dos 20,54%.
Desabastecimento de vacinas obrigatórias para crianças
O desabastecimento de vacinas obrigatórias para crianças com menos de um ano de idade no Brasil também é um obstáculo para a saúde pública. A enfermeira Natália Araújo, que atua em uma clínica particular de Teresina, observa uma maior procura pelo imunizante que deve ser ofertado gratuitamente nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) e maternidades públicas.
“No início do ano, a procura era maior e os pais reclamaram muitos dos preços. Pensávamos que era por conta da pandemia, dos pais com medo de frequentar unidades que atendiam casos de Covid, só depois fomos informadas que algumas unidades de saúde estavam enfrentando problemas com o abastecimento”, falou.
No final de abril, o Ministério da Saúde enviou uma circular aos estados informando sobre a disponibilidade limitada de estoque da vacina BCG, aconselhando a racionalização do imunizante para evitar o desabastecimento. O racionamento estava relacionado a problemas com fabricante nacional. A redução levou diversos municípios a limitarem o número de postos que oferecem a vacina e a adotarem estratégias como agendamento prévio para lidar com os baixos quantitativos.
Em agosto deste ano, quatro meses após a orientação da pasta, algumas maternidades públicas da capital piauiense ficaram sem oferta de doses da BCG. Alguns pais tiveram que recorrer à rede privada, que custa em média R$ 150 reais. Quando a estudante Viviane Leite deu à luz ao seu primeiro filho em uma maternidade pública na zona Norte de Teresina, não havia vacina BCG disponível no estabelecimento.
Mais tarde, ela precisou recorrer à rede privada para imunizar o recém nascido. “Na maternidade, me falaram que eu teria que ir atrás em outra UBS, mas não chegaram a falar qual. Já que estava em falta, minha acompanhante achou melhor ir diretamente na clínica e pagar pela vacina”, contou.
Municípios com abrangência inferior a 20%
Uma avaliação da situação das coberturas e homogeneidade das vacinas nos municípios, no período de janeiro a junho de 2022, a partir de dados obtidos em 9 de novembro de 2022, no Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), aponta que 10 municípios piauienses apresentam cobertura inferior a 20% para vacina BCG, que protege contra a tuberculose.
O pior colocado na lista é o município de Coronel José Dias, que tem quase cinco mil habitantes, com apenas 8,51% de cobertura vacinal. Em justificativa presente no relatório da Sesapi, os baixos números podem estar relacionados a cinco fatores.
“Por não registro ou atraso no registro dos boletins de doses aplicadas, no sistema de informação; erro de digitação dos boletins de doses aplicadas; não transmissão para a base nacional de imunização dos dados registrados; desatualização dos registros de nascimento no Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) e desatualização do cadastro da população adscrita ao território das unidades de atenção primária à saúde, e ainda, processo de movimentação populacional entre municípios”, diz o relatório.
Dados do Ministério da Saúde também revelam que a cobertura da vacina contra a Meningite Meningocócica C, que protege contra uma das formas mais graves da meningite bacteriana, caiu, em apenas cinco anos, de 87,4% para 47% no Brasil. No Piauí, a atual cobertura vacinal está em 39,29%.
A imunização contra doenças que já estavam erradicadas no país, como sarampo e poliomielite, também apresentaram queda no país. A cobertura vacinal da pólio em solo nacional está abaixo do mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de 95%, desde 2015. Após sequências anuais de quedas, a taxa chegou a 44,59% no país. A taxa de cobertura adequada no Piauí está em 34,38%.
Vacina tríplice viral tem cobertura insuficiente
A volta do sarampo, doença que já foi exterminada no país, também evidencia a deficiência na cobertura vacinal. Dados oficiais apontam mais de 40 mil casos com 40 mortes nos últimos quatro anos.
A vacina tríplice viral, que além de proteger contra o sarampo também evita a caxumba e rubéola, é um dos principais imunizantes do Programa Nacional de Imunizações (PNI), no entanto, registra números de cobertura insuficientes desde 2017. Naquele ano, o indicador registrou 86,2%; em 2021, a cobertura caiu para 71,4%.
O Ministério da Saúde aponta que o Brasil continua abaixo da meta de vacinação contra o sarampo. Segundo a pasta, 47,08% das crianças receberam o imunizante em 2022, sendo que a meta de cobertura vacinal é 95%. O Piauí vacinou apenas 56.80% das crianças de seis meses a menos de cinco anos contra o sarampo em 2022, de acordo com dados do sistema LocalizaSUS.
Outra vacina essencial para a saúde da população é contra o rotavírus, que provoca uma infecção no trato digestivo e é a causa mais comum de diarreia grave com desidratação em crianças pequenas entre três e 15 meses de idade.
O vírus causa aproximadamente 215 mil mortes por ano no mundo em meninos e meninas com menos de cinco anos, principalmente em países em desenvolvimento. Os índices de vacinação contra o rotavírus no Brasil caíram de 86,3% em 2012 para 68,3% em 2021. A Sesapi ainda não disponibilizou dados atualizados sobre a cobertura vacinal da doença nos 224 municípios do estado.
Influenza e Covid-19: Piauí se destaca em números positivos
Nas faixas de imunização contra a influenza e contra a Covid-19, o Piauí se destaca em números positivos. O estado tem a maior cobertura vacinal para influenza em comparação com os demais estados brasileiros. Atualmente, 54,6% da população alvo da campanha foi vacinada, ficando empatado tecnicamente com Minas Gerais, com 54,6%, conforme dados do LocalizaSUS do Ministério da Saúde. A meta preconizada pelo Programa Nacional de Imunizações é atingir pelo menos 90% desse público.
O trabalho do TCU sobre as vacinas concluiu pela necessidade de que o Ministério da Saúde e suas áreas técnicas avaliem as mudanças a serem implementadas nos sistemas de informação. Conforme o relatório, será necessária a realização de fiscalização para avaliar, no PNI, a adesão dos estados e municípios aos sistemas de informações, assim como verificar o estoque e as perdas de vacinas localmente.