Retorno de casos da Covid-19 deixa pais em alerta

A ansiedade de pais e filhos pelo retorno às aulas presenciais trouxe mais preocupação após registros de alunos com a doença e a ameaça de retorno ao ensino remoto

Alunos voltam às aulas na escola | Reprodução
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“A ansiedade delas era maior que minha preocupação. Apesar de que eu, também, estava bastante ansioso pra saber como estava a escola, que medidas de fato tomaram para garantir a segurança sanitária de minhas filhas. A percepção da alegria delas voltando ao convívio escolar era transmitida pelo olhar, por conta do uso da máscara, um dos itens indispensável no retorno. Na verdade, cada uma leva três máscaras para cinco horas de aulas, em média, cada. Já na entrada da escola, leitura de temperatura das crianças e dos pais, a minha deu 36,2º, totem com álcool em gel à disposição e muita, mais muita mesmo, borrifadas de spray nas mochilas. Logo depois, vão para uma área específica, sem contato direto com coleguinhas, aguardar as professoras chamarem para a sala de aula. Isso tudo foi há uma semana. De lá para cá, meu pensamento, ainda, continua o mesmo. Estou apreensivo, porém feliz com o retorno delas e mais ainda pela empolgação das duas com os estudos, novamente”. Esse foi um breve relato da experiência que o repórter João Henrique Bezerra, que também assina esta matéria, vivenciou com o retorno às aulas. Assim como ele, muitos pais tiveram a mesma sensação.

Nessas quase duas semanas de reinício de aulas presenciais na rede particular de ensino, mesmo que no formato híbrido – dia sim e dia não na escola, começam a aparecer os registros de casos de Covid-19. Já são pelo menos quatro registros de casos, onde as turmas das crianças tiveram as aulas suspensas por 14 dias, conforme aponta o protocolo do Centro de Operações Emergenciais (COE) do Governo do Piauí, para o combate à pandemia do novo coronavírus no Estado. 

Esses poucos casos, num universo de mais de 200 mil estudantes matriculados na rede particular piauiense, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é pouco, mas já deixou todo mundo em alerta. Pais e mães já se mostram preocupados com a situação nos grupos das escolas. “Meu filho disse que um aluno deu um único espirro na sala dele e já foi logo sendo mandado para casa para aula on-line”, pontuou uma mãe. “Na sala das meninas, no primeiro dia, um coleguinha teve que sair porque o nariz estava escorrendo”, declarou outra mãe. 

E situações como essas têm sido relatadas nos grupos de rede sociais e presencialmente, também, nas portas das escolas. E isso tem deixado não apenas os pais preocupados como os filhos, que não querem ter as aulas suspensas novamente. “Minha filha anda com um medo horrível de espirrar e a professora ver ou ouvir...rs”, escreveu um pai. Porém, o que as escolas estão adotando é o certo, a prevenção total. Além do que é orientação do Conselho Regional de Medicina (CRM) do Piauí, que emitiu um comunicado, no início desta semana, abordando os sintomas que as crianças possam vir a apresentar dentro das escolas.

“As escolas, instituições com importante papel de orientação também neste momento crítico, devem exercer a autorresponsabilidade na retomada das atividades educativas. Seguindo as orientações dos órgãos sanitários, o retorno deve considerar ainda a ausculta direta dos especialistas, que alertam sobre a triagem de sintomas e como proceder, caso os alunos, os funcionários e os colaboradores da escola apresentem sintomas da Covid-19. Isso porque a lista de sintomas da infecção é extensa e, nas crianças, as manifestações, embora semelhantes, geralmente não são iguais aos adultos. Assim, o CRM-PI reforça aos médicos a necessidade de orientar pais e responsáveis no sentido de que crianças com sintomas gripais – principalmente febre, cansaço, tosse seca, congestão nasal, dor de cabeça, conjuntivite, dor de garganta, diarreia, perda de paladar ou olfato – não compareçam às salas de aula e permaneçam no ensino à distância enquanto durarem os sintomas, como forma de resguardar a si e a comunidade escolar”, escreveu a nota do Conselho, assinada pela presidente Mirian Dias Parente. 

Para o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado do Piauí (Sinepe), apesar dos casos já registrados e confirmados da doença, a avaliação do retorno, no geral, é positiva. De acordo com o presidente da entidade, Marcelo Rodrigues Siqueira, os registros de paralisação nessas primeiras semanas são poucos tendo em vista que quase todas as escolas particulares voltaram com aulas presenciais. “Não temos um número exato de casos, mas são poucos no universo de escolas. E as suspensões de aulas vão ocorrer com certa frequência, porque é o protocolo que os colégios estão seguindo à risca. Então, considero positivo essas primeiras semanas de retorno”, disse. 

A previsão do dirigente sindical de aumentar as suspensões das aulas é real. Até porque, essa semana, retornaram as aulas, também, dos estudantes do ensino infantil, ou seja, crianças com idade entre 3 e 6 anos, e que podem ir às escolas todos os dias. Pelo decreto estadual que autoriza as aulas presenciais, o ensino é presencial diário para os alunos matriculados nesse período escolar. E por serem menores e, assim, precisarem de acompanhante para entrar e sair das escolas, muitos pais têm entrado e até se aglomerado na porta da escola para receber ou pegar seus filhos. 

“Ontem fui pegar meu filho, que está no infantil 1, e tinha muita gente dentro da escola, esperando. Eles (direção) não terão como controlar isso”, destacou um pai, em um grupo na rede social, e que logo contou com o apoio de uma mãe que afirmou. “Dessa forma, vão acabar fechando os colégios novamente e suspendendo por completo as aulas presenciais. Aí voltamos para as aulas remotas”, disse. Ainda teve uma mãe, bastante precavida. “Minha irmã que mora no interior vai vir ter neném aqui em Teresina e vai ficar uns dias no meu apartamento. Nesses dias, não vou mandar minha filha à escola”, enfatizou.

O jornalista e estudante de arquitetura Abdias Bideh, 36 anos, está vivendo essa gangorra de emoções com a esposa, a odontóloga Kelly Farias. A pequena Júlia Farias, de apenas 5 anos, voltou essa semana às aulas presenciais após dez meses sem sair de casa. Ela está cursando o último ano do infantil em uma escola particular de Teresina. E para a garotinha não tinha muita opção: aulas 100% remotas ou toda presencial. Nesse caso, mesmo sabendo dos riscos de contaminação, o casal optou por retornar à escola. Segundo eles, pensando no bem estar mental da criança, também. 

Júlia Farias, de apenas 5 anos, voltou essa semana às aulas presenciais | FOTO: Arquivo pessoal

“Escolhemos as aulas presenciais, primeiro porque já foram dez meses dentro de casa. A criança não consegue mais assimilar as aulas, como vinham sendo de forma remota, mesmo com a qualidade de um bom professor do outro lado da tela, oferecido pela escola, é uma coisa muito cansativa, inclusive para nós pais, que temos outras atividades para desenvolver ao longo do dia. E segundo, porque não temos também aquele preparo pedagógico para manter o ensino dos filhos. Nós temos a paciência da criação, mas o preparo pedagógico vem da escola”, relatou Abdias, lembrando que a Júlia, também, não se sentiu totalmente envolvida dentro de casa. “A escola é lúdica”, acrescentou. 

Volta às aulas traz mais vantagens às crianças

Para os especialistas, a escolha dos pais de enviar os filhos à escola, em meia a pandemia do coronavírus, independente dos casos confirmados ou não, é acertada. A psicopedagoga Marina Buenos Aires, por exemplo, afirma que para a maioria dos casos o retorno às aulas presenciais está atrasado, inclusive. Ela ressalta os estudos científicos que já comprovaram que as crianças têm menor potencial de transmissibilidade que os adultos. Mas, isso não quer dizer que os pais e filhos não devam se preocupar com as medidas de proteção, como também precisam cobrar os protocolos de segurança sanitários das escolas.

“Como tudo na vida que é novo é preciso de adaptar. Durante muito tempo se deixou de fazer o retorno dessas crianças e adolescentes, por acreditarem que eles seriam incapazes de realizar funções higiênicas, de cuidado, diante da rotina sanitária que eles viveriam dentro das escolas. Porém, essas semanas temos visto que esses alunos voltaram e estão conseguindo se adaptar”, pontuou, destacando que para muitas famílias já se chegou no limite e que as escolas funcionam como grande apoio educacional e social. “Não podemos anular a importância e a essencialidade durante a vida das pessoas, isso remete também a pandemia”, falou. (J.B.)

CDC americano recomenda que estudantes voltem para a escola

As autoridades federais de saúde do CDC (Centro de Controle de Doenças) Americano pediram nesta semana que as crianças voltem às salas de aula. Em uma publicação no Journal of the American Medical Association, os membros do Centro escreveram que a "preponderância de evidências disponíveis" no semestre de outono asseguram que, com uso de máscara, distanciamento e salas ventiladas, os benefícios de abrir escolas superam os riscos de manter crianças em casa por meses. 

No Brasil, a questão ainda é polêmica, principalmente por conta dos altos índices de ocupação dos leitos, sobretudo em Teresina, que chegam a níveis superiores aos 90%. Além disso, as tentativas de retorno das aulas no ensino particular se mostraram problemáticas, com estudantes infectados em pelo menos duas escolas.

O julgamento do CDC Americano chega neste momento tenso para pais e escolas com relação à doença. Os pais estão cansados de manter a criançada “presa” dentro de casa. Por outro lado, os sindicatos americanos defendem que não há condição de retorno das aulas. Os brasileiros também, principalmente no Estado de São Paulo onde há um forte embate com o prefeito Mário Covas.

Embora pesquisas em todo o mundo indiquem, desde o início da pandemia, que pessoas com menos de 18 anos, especialmente crianças mais novas, são menos suscetíveis à infecção, menos propensas a apresentar sintomas graves e muito menos propensas a serem hospitalizadas ou morrer, manter estudantes assintomáticos em contato com professores não parece uma boa ideia. 

Em uma comparação com os americanos, o Brasil também está aquém no processo de erradicação da doença através da imunização. O médico infectologista Carlos Henrique Nery, refuta a ideia do retorno às aulas no país. “Ter 60% menor capacidade de transmissão não significa não ter capacidade. É um risco grande [o retorno às aulas], ainda mais em um país sem vacinação em massa”, considera. (L.A.)

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