IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Após meses de pressão devido à falta de pessoal aparente para executar sua invasão da Ucrânia, o presidente russo, Vladimir Putin, assinou um decreto nesta quinta (25) para aumentar o efetivo de suas Forças Armadas.
A guerra no país vizinho completou seis meses na quarta (24), e não há sinais de que irá terminar no horizonte visível. Analistas falam em ao menos mais seis meses de combates, com intensidade variável, mas há quem aposte em anos de uma guerra endêmica.
A ampliação proposta por Putin é de cerca de 10% do efetivo combatente, o elevando de 1,01 milhão para 1,15 milhão. Ao todo, incluindo o pessoal não envolvido em operações militares, o Ministério da Defesa passaria de 1,9 milhão para 2,04 milhões de servidores. Até a guerra, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres), havia 900 mil militares russos na ativa.
Ninguém sabe exatamente quantas pessoas estiveram envolvidas na invasão da Ucrânia, mas a estimativa corrente é de que foram ao menos 200 mil homens em três frentes principais. Como se sabe, a descoordenação e falta de efetivos provaram-se fatais para o Kremlin na fase inicial da guerra.
Apesar de chegarem rapidamente aos subúrbios de Kiev, as forças russas nunca ameaçaram de fato conquistar a capital, como parecia aparente em seu plano inicial. Assim, refluíram e se reagruparam para uma ofensiva mais consistente no leste do país, o russófono Donbass que está na origem do conflito.
Além disso, os russos tomaram uma grande porção do sul ucraniano, ligando o leste à Crimeia anexada em 2014. Com isso, dominam algo como 20% do território do vizinho. Mas sua ofensiva no Donbass está lenta, com os últimos ganhos substanciais registrados em junho e um aumento da ajuda militar ocidental a Kiev.
Observadores militares russos, que falam em anonimato, atribuem a isso erros táticos, mas também falta de pessoal. Para manter as expectativas política baixas, como se isso fosse possível, Putin nunca declarou guerra à Ucrânia. Chama a invasão de "operação militar especial", inclusive criminalizando falas que usem outros termos.
O problema para ele é que assim não se pode acelerar a convocação de pessoas para participar do conflito.
Ao longo do conflito, surgiram pressões vindas não só de quem gostaria que a guerra, e as sanções duras aplicadas pelo Ocidente que a seguiram, fosse interrompida. Muitos comentaristas nos meios militares, inclusive mostrando a cara na internet, demandavam uma ação mais efetiva por parte de Moscou.
Putin resistiu, trazendo para o conflito mercenários do infame Grupo Wagner e soldados baseados fora da Rússia, como na Síria ou Armênia. Depois, estimulou com dinheiro voluntários para as Forças Armadas. Não parece ter sido suficiente, e agora a ampliação veio.
Na conta também estão embutidos os mortos no conflito. A Rússia parou de divulgar dados em março, quando admitia 1.350 falecidos. Serviços de inteligência ocidentais falam em 15 mil e a Ucrânia, exagerando por motivos óbvios, chuta 80 mil.
Sejam quantos forem os caixões, o fato é que os russos estão se preparando para o longo prazo. Do ponto de vista nominal, mantêm a quarta posição entre os exércitos mundo afora: a China tem 2,03 milhões de combatentes, EUA e Índia, cerca de 1,4 milhão.
Naturalmente, números simples não contam a história toda. Os EUA têm a mais formidável força militar do mundo não só porque tem muitos soldados, mas porque têm a melhor tecnologia bélica e meios de emprego: caças de quinta geração, incomparáveis 11 grupos de porta-aviões, mísseis nucleares.
Na Ucrânia, os combates prosseguem, com intensidade diminuída. Nesta quinta houve duas interrupções devido a bombardeios em linhas de transmissão da usina nuclear de Zaporíjia, elevando o temor de um acidente radioativo.
O complexo foi tomado pelos russos bem na linha de frente com os ucranianos na província homônima. Ambos os lados acusam-se mutuamente de aumentar os bombardeios na região, gerando a preocupação óbvia não só de um reator ser atingido, mas de depósitos de lixo atômico em torno da usina pegarem fogo.
Segundo o jornal britânico The Guardian, a estatal ucraniana Energoatom afirmou que há planos russos para desconectar a usina da rede do país -antes da guerra, ela fornecia um quinto da energia do país. A Rússia nega. "Os ucranianos apertam o botão, mas as armas e imagens de satélite usadas na região são americanas. É terrorismo nuclear", disse o senador russo Andrei Klimov durante conversa com jornalistas brasileiros.
A ONU sugere uma zona desmilitarizada em torno da usina, algo que a Rússia não aceita, e o chefe da agência nuclear do órgao, Rafael Grossi, disse nesta quinta prever para breve uma visita de inspeção ao local.