Saúde pública enfrenta uma série de problemas

O Jornal Meio Norte elencou alguns dos principais problemas que acometem a saúde pública do Piauí, sobretudo da capital, Teresina, que enfrenta problemas como corte de recursos e até influência de fake news.

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A saúde pública enfrenta muitos percalços em Teresina. A cidade, que termina sendo um centro de saúde de todo o Estado, termina sobrecarregada por uma demanda muito além da esperada. Pacientes do interior do Piauí e até de outros estados encontram no serviço médico da capital um alento para uma infinidade de enfermidades, fato que termina abarrotando as unidades hospitalares.

Mas esse não é o único ponto. Somado a isso, a generalização também é um dos pilares de um histórico de dificuldades em que as respostas, muitas vezes, são sempre as mesmas. Será que tudo é virose? Por que o atendimento tem um espectro tão amplo e não analisa caso a caso?

Mas a pior de todas as vilãs é a desinformação, que tem como principal parceira a contrainformação. Fake news que desacreditam vacinas, por exemplo, dificultam as metas de imunização e trazem à tona diversos casos de gripes que poderiam nem ter acometido as pessoas. Imagens vinculadas no WhatsApp dizem que vacina poderia desencadear autismo em crianças, por exemplo. 

Além disso, muitas pessoas chegam às unidades de urgência, como as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), para resolverem problemas que poderiam ser sanados em Unidades Básicas de Saúde (UBS).

Paralelo a isso, um contexto complicado de um Estado brasileiro em crise que corta, a todo custo, investimentos em áreas estratégicas, inclusive a saúde pública. Melhorar as condições de saúde do Piauí termina sendo um grande desafio, repleto de malabarismos, para que as contas enxutas consigam dar conta do funcionamento de hospitais e UBSs.

Nesta reportagem especial, o Jornal Meio Norte elencou alguns dos principais problemas que acometem a saúde pública do Piauí, sobretudo da capital. Um diagnóstico que descortina dificuldades bem conhecidas pelos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), mas que podem apontar soluções para um prognóstico positivo no futuro.

1º Tudo é virose?

Os problemas da saúde pública em Teresina saltam aos olhos, principalmente nos períodos de fevereiro a maio. O motivo? As viroses, que respondem por até 60% dos atendimentos em hospitais de urgência e das Unidades de Pronto Atendimento (UPA). Elas superlotam as salas de espera e dificultam a situação de um sistema cada vez mais fragilizado.

“Eu mesma venho no médico só para ele dizer que é virose. Só olham na cara da gente e dizem que é virose, não importa o que você diga”, conta Taline Matos, que buscou atendimento no Hospital Geral Miguel Couto, bairro Monte Castelo, zona Sul de Teresina. A unidade que Taline buscou com o namorado, que também está com a tal virose, esteve lotada de pessoas nas filas desde o último final de semana. 

Hospital do Monte Castelo lotado de pacientes | Crédito: Raíssa Morais

Os usuários questionam o diagnóstico tão amplo. “Será que só tem um vírus mesmo que está pegando todo mundo? Vejo gente com inúmeros sintomas, e no final tudo é virose. É o tipo de coisa que eu não entendo. Se tem tantas viroses, deveria ter um médico só de virose para tratar todo mundo. Na maioria das vezes mandam a gente para sofrer em casa, não tem um diagnóstico preciso. É tudo remédio que a gente já conhece e ficar tomando água”, acrescenta Sophia Carla, que levou a filha de seis anos para a UPA do Satélite.

2º Desinformação dos usuários

Viroses e manifestações gripais estão tomando conta das salas de urgência, ocupando mais da metade das vagas em filas. O problema é que essas doenças poderiam, na maioria dos casos, ser resolvidas nos próprios postos de saúde, que hoje são denominados como Unidades Básicas de Saúde (UBS).

Isso parte tanto da falta de informação dos usuários, como da própria equipe de atendimento, que não segue       as recomendações do Sistema Único de Saúde. O uso de uma estrutura de urgência para sanar situações relativamente simples, acaba prejudicando pacientes que estão verdadeiramente em urgência médica, como casos de infartos, aneurismas e acidentes.

O problema gera uma série de transtornos para a população, que termina esperando por até quatro horas por um atendimento médico. Como é o caso da família Monteiro, que buscou atendimento para o pai, Genielson. “A saúde em Teresina é muito precária. Os hospitais lotados, filas e idosos, que não têm mais prioridade. Se você não chegar numa maca, você não é atendido. Hospitais cheios, filas enormes e falta de profissionais da área. Todas as doenças são viroses. Então, deveria ter mais gente especialista nisso”, avalia Joelma, esposa de Genielson e mãe da pequena Maria Júlia, que teve que acompanhar os pais até o hospital.

Joelma, Genielson e a pequena Maria Júlia buscaram atendimento na UPA do Satélite | Crédito: Raíssa Morais

Para Celina Tourinho, diretora clínica da UPA do Satélite, a estrutura hospitalar trabalha como pode. “Nós temos dois clínicos, dois pediatras e um clínico geral. À noite, temos mais um pediatra, porque as crianças são mais afetadas nesta hora. Temos um trabalho educativo de educação. A UPA atende por critério de risco. Quem chega aqui sem risco, não será classificada como urgente, pela cor”, aponta.

O critério de urgência varia de acordo com as enfermidades. “Vermelha não pode esperar, são casos que vão direto para uma sala equipada, como a UTI. Laranja, que fica até 15 minutos. Verde, que espera até duas horas, e azul que fica até três horas. Pessoas que vêm para atendimento ambulatorial poderiam buscar a UBS. Virose só é urgência quando há desidratação, febre alta, vômito, enfim. Depende das características. Mas cerca de 60% das demandas que chegam aqui são por conta de viroses”, acrescenta Celina Tourinho.

Isso não acontece apenas no Satélite. O Hospital do Monte Castelo também sofre com a demanda excessiva de viroses. “A depender do caso clínico, pequenas urgências devem ser encaminhadas à atenção básica, os postinhos de saúde. Embora muita gente não saiba, essas unidades podem fazer pequenos procedimentos de urgência. Procurar hospitais maiores é complicado, porque eles devem estar prontos para atender casos mais graves. Febre baixa e dores no corpo de forma mais amena, recomendamos ir a uma UBS”, aponta Gerardo Viana, médico e Diretor Clínico do Hospital do Monte Castelo.

Gerardo Viana, médico e Diretor Clínico do Hospital do Monte Castelo.| Crédito: Raíssa Morais

3º Capital sobrecarregada pelo interior

Uma coisa é unanimidade para todos os gestores de hospitais: muitos pacientes acabam vindo do interior, inclusive de estados vizinhos, como o Maranhão. O SUS é universal, mas a demanda “extra” também pesa nas filas. Por outro lado, o fortalecimento de hospitais regionais tem sido apontado como um compromisso do Governo do Estado.

“Nós já estamos há alguns meses com essa quantidade de pacientes, fato esperado pelas chuvas e epidemias. Nossa expectativa é que, de agora em diante, possamos diminuir. Nós atendemos de 380 a 400 pessoas por dia. Nós já estamos há alguns meses com essa quantidade de pacientes. Muitos vêm do interior. Prejudica o contribuinte e a cidade. Mas todos vêm pelo SUS, temos que atender. A sorte do Piauí é a saúde pública excelente do município. Levamos o Estado praticamente nas costas. Mas é tudo enxuto. Veja que temos uma pessoa só no Recursos Humanos. Nossas contas são seguras para poder manter isso tudo funcionando, é uma estrutura cara”, conta Celina Tourinho, Diretora Geral da UPA do Satélite.

elina Tourinho, Diretora Geral da UPA do Satélite. | Crédito: Raíssa Morais

“Temos uma saúde muito bem estruturada, para o bem do interior do Piauí. Temos hospitais, muita gente trabalhando. Se não fosse a saúde de Teresina, o Estado estava em situação muito difícil”, revela Amariles Borba, Diretora de Vigilância em Saúde da Fundação Municipal de Saúde.

Para Florentino Neto, Secretário de Estado da Saúde, o Governo do Estado compensa a prefeitura por atendimentos referenciados pelo interior. “Os pacientes do interior do Estado vêm para Teresina por meio de um sistema de referenciamento. Anteriormente foi estabelecida a programação pactuada integrada do SUS no Estado do Piauí. O que resultou em que os municípios do Estado do Piauí referenciaram Teresina para os serviços de média e alta complexidade. Portanto, o município de Teresina recebe mensalmente recursos para custear o tratamento médico desses pacientes vindos dos demais municípios”, explica.

O Governo tenta diminuir o abismo existente entre a capital e o interior do Estado no que diz respeito às instalações hospitalares. “O Estado do Piauí tem feito contínuos investimentos na rede hospitalar estadual e aumentado significativamente a resolutividade médica nos hospitais regionais e, com isso, reduzido o    número de pacientes sendo transferidos para Teresina. Quando comparamos o ano de 2014 com o ano de 2018, a redução do envio de pacientes do interior para Teresina é da ordem de mais de 40%”, contabiliza o gestor da Secretaria de Estado da Saúde (Sesapi).

As limitações de investimentos têm sido dribladas pela gestão estadual. “No Estado do Piauí, o governador Wellington Dias, mesmo com todas as dificuldades, tem conseguido manter obras estruturantes. Como é o caso da Nova Maternidade, aqui em Teresina. Além disso, foi anunciado um plano de investimentos na rede hospitalar, que resultará no investimento em obras de reforma, ampliação e construção de hospitais em mais de R$ 150 milhões. O Estado do Piauí também tem um contínuo investimento em equipamentos para os hospitais, modernizando, desta forma, o parque tecnológico dos hospitais regionais”, declara Florentino Neto.

3ª Filas que não têm fim

Quem vai à Unidade de Pronto Atendimento do bairro Renascença, zona Sudeste de Teresina, fica perplexo com as filas do lugar. Após o fechamento parcial do Hospital do Dirceu, as urgências acabaram ficando concentradas nesta unidade. Os pacientes esperam por mais de quatro horas para serem atendidos.

“Fechou o Hospital do Dirceu e a maioria da demanda ficava lá. Mas agora todo mundo desceu para cá. O número de profissionais termina sendo insuficiente, e não adianta dizer que é por causa do pessoal com virose, porque é assim o ano todo, não só nesta época. Semana passada eu vim com uma sobrinha, que só foi atendida logo porque ela estava com a pulseira amarela. Mas uma conhecida minha já chegou aqui 14h para sair 22h. Hoje estou há uma hora esperando, mas sei que vou esperar bastante”, conta Dayane Maria, autônoma e moradora da região.

“Aqui é praticamente a Serra Pelada”, revela Mariane de Jesus, universitária com virose que também buscou atendimento na UPA do Renascença. “A gente não sabe para onde ir, porque não temos plano particular. Mas uma coisa é certa: não está bom assim. Como é que a pessoa passa cinco horas agonizando aqui para ser atendida?”, revela.

O problema também passa por outras unidades. Todos os hospitais visitados pela reportagem estavam com problemas de lotação e pessoas nos corredores. No caso da direção da UPA do Renascença, esta foi a única que a reportagem não conseguiu contato.

Mas na UPA do Satélite, o problema é o mesmo. “Trouxe minha filha para consultar e sei que vou esperar horas e horas. Todo mundo resolveu vir no mesmo horário? Acho que não, é questão de urgência. Caberia ao hospital arranjar um jeito de atender todo mundo mais rápido, porque assim é muito sofrido”, disse uma usuária do serviço. 

Crédito: Raíssa Morais

5º Falta de profissionais 

A reclamação de falta de profissionais é geral em toda a rede. De médicos, dentistas a agentes de saúde, o problema atinge todas as zonas de Teresina. Por vezes, faltam médicos plantonistas e a população fica descoberta.

As dificuldades atingem até mesmo as equipes do Programa de Saúde da Família. “Eu sou conselheiro do Hospital do Matadouro, e uma das principais problemáticas da saúde é a falta dos profissionais de saúde. Das seis equipes do PSF que existem na UBS do Matadouro, nenhuma tem dentista. Assim fica difícil fazer saúde. Eles fazem no discurso, porque na prática não tem atendimento básico. Quando tem, é deficitário, e não atender a comunidade”, conta Francisco Andrade, do Conselho de Saúde do bairro Matadouro, zona Sul de Teresina.

Até mesmo agentes de saúde faltam em comunidades mais distantes da capital. “O posto de saúde da região da Nova Teresina é zero. O atendimento é ruim e errado. Aqui no Portal da Esperança, nem agente de saúde nós temos para ver os idosos. Tiraram e nunca colocaram. Nós tínhamos uma, que infelizmente faleceu, e nunca colocaram outra. Nós fizemos um documento escrito para a Saúde, mas até hoje estamos esperando”, conta João de Deus, morador da região. 

6º Descrédito às vacinas

Outro risco vem do WhatsApp: as chamadas fake news. Em tempos em que a verdade é cada vez mais líquida e cada um se baseia em preceitos da própria cabeça para definir comportamentos, muitos usam as redes sociais para compartilhar mentiras, inclusive sobre as vacinas. Já chegaram ao cúmulo de associar a vacina da gripe a casos de autismo, assustando muitos pais que se negaram a imunizar os filhos.

Crédito: José Alves Filho

Para Amparo Salmito, Gerente de Epidemiologia da Fundação Municipal de Saúde (FMS), esta é uma situação grave. “Com relação às fakes news, isso atrapalha muito. Falam mal das vacinas. Tivemos um pouco de dificuldades, mas batemos a meta e vamos vacinar, se Deus quiser, estamos terminando fazendo a da gripe e estamos fazendo os números acontecerem”, conta a médica.

Salmito questiona as notícias falsas. “Como vacina não funciona? Se não fossem as vacinas, já tinha morrido muita gente de tétano, gripe, febre amarela. Além da varíola, que matava todo mundo. Foram as vacinas que livraram a gente desse tormento”, lembra a Gerente de Epidemiologia.

No entanto, as mentiras são uma força negativa para a FMS. “É um trabalho devagar que a gente tem feito, estamos querendo melhorar as metas. Vacina de bicho a gente bate a meta em um dia só, por exemplo. Às vezes os pais relaxam um pouco com os filhos. As pessoas trabalham muito e esquecem de ir ao posto”, finaliza.

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