Após hostilidade durante eleição, nordestinos se unem em campanha na web

Hostilidade após eleição gera onda de orgulho nordestino nas redes

site | Reprodução
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O recado era direto: "Diga ao mundo: sou nordestino, sim". A resposta foi rápida: na base do boca a boca, mais de 1,7 mil moradores de Estados como Sergipe, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Norte, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais aceitaram o chamado.

Eles associaram suas fotografias ao site "Nordestinos Sim", criado há menos de três semanas para celebrar, por meio de um mosaico de diferentes cores, idades e gêneros, o orgulho de quem nasce na região.

 Lançado em 8 de outubro, o site ganhou fôlego durante a onda de mensagens discriminatórias publicadas nas redes sociais na reta final das eleições. E não foi só ele.
Em resposta a mensagens como "só foram feitos para comer farinha, fazer filho e ganhar Bolsa Família", outras manifestações de defesa à cultura e aos cidadãos nordestinos se espalharam pelas redes.

Caso da hashtag #SouDoNordesteMesmoEComOrgulho, que em menos de uma semana foi compartilhada mais de 100 mil vezes e ganhou adeptos como o escritor Paulo Coelho e o rapper MV Bill. Logo após a divulgação do resultado das eleições, no domingo, a frase chegou ao topo da lista de assuntos mais discutidos no Twitter em todo o mundo.

'Unir rostos'

"O ódio a determinadas regiões, origens, classes sociais não leva a lugar nenhum. Nossa ideia então foi unir nossos rostos para promover união", explica o publicitário sergipano Ricardo Cardoso, criador do projeto "Nordestinos sim".

Ele diz que o site não visa estimular rivalidades, mas convidar brasileiros de todos os Estados a "mostrarem a cara e registrar que somos todos iguais, com os mesmos defeitos e qualidades". Mais do que conquistar adeptos no Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país, o "Nordestinos sim" também reúne imagens de brasileiros que vivem nos Estados Unidos, Espanha, Itália, Argentina, Alemanha, Austrália, Angola, Luxemburgo e França.

A modelo Danielle Magalhães, que nasceu em Aracaju e mora no interior de Minas Gerais, é uma delas. Ao #SalaSocial, ela afirmou ter feito questão de mostrar suas origens depois de ler em sua timeline comentários pejorativos sobre o voto de seus conterrâneos.

 "Não costumo discutir política, e não discuti em momento algum, mas a verdade é que fiz questão de deixar claro minha indignação com a forma arrogante que algumas pessoas se referiam aos nordestinos", diz. "Algumas pessoas não sabiam de onde eu venho", afirma Magalhães, que não se abateu pelos comentários. "Sim, hoje mais do que nunca eu me orgulho por ser a nordestina que sou".

Direitos humanos

Para Camila Lippi, professora da Universidade Federal do Amapá e coordenadora o Observatório Amazônico de Direitos Humanos, o direito à liberdade de expressão - argumento de muitos para manifestações preconceituosas - tem limites.

"Qualquer sociedade democrática precisa respeitar e defender os direitos de grupos políticos, étnicos, sexuais, quais forem", diz. "Isso está nos tratados internacionais de direitos humanos: eles proíbem apologia ao ódio, como proíbem propaganda a favor de guerras." A professora, que diz ter ficado surpresa com o nível das campanhas no Rio de Janeiro, onde esteve no fim de semana eleitoral, afirma que as manifestações na internet reproduzem discursos cotidianos de ódio.

"Eles são proferidos diariamente por muitos nas ruas, sem que o autor se dê conta que está falando de seus vizinhos, seus colegas de trabalho, seus amigos", afirma. Na opinião da especialista em redes sociais Anna Haddad, a discussão tem aspectos "superpositivos para uma sociedade pouco politizada como a brasileira".

"Esse fenômeno traz um movimento importante. As pessoas acompanham os comentários, ouvem opiniões distintas e isso estimula a busca por educação política. Essa interação enorme ajuda a construir novas reflexões, destruir velhos paradigmas, e traz efeitos vão desde um like ou comentário novos, até uma crítica inesperada, a criação novos movimentos políticos, a criação de um novo partido", diz.

'Nordestinos simbólicos'

A onda trouxe à tona "nordestinos de coração" - gente nascida longe dali, mas que declara amor a suas tradições - e promoveu encontros inesperados, como entre o escritor Paulo Coelho e o rapper MV Bill.

"Nasci no Rio, e mesmo assim #SouDoNordesteMesmoEComOrgulho (por sinal, mal acabou eleição e começou divisão/preconceito?)", tuitou Coelho, compartilhado por mais de 700 pessoas. Bill mostrou pensar parecido: "Nasci no Sudeste,mas tenho parentes e amigos no Norte e Nordeste, me sinto privilegiado por isso", escreveu.

O professor de inglês carioca Alexandre Marques trocou sua foto no Facebook por uma imagem em que aparece com um chapéu parecido com os usados pelo cangaceiro Lampião.

"Não tem muito a ver com orgulho o que fiz", diz. "Acho que o único orgulho que realmente vale é o orgulho de compartilhamos uma sociedade que não dê voz a esse tipo de discurso discriminatório", afirma.

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