Estamos lendo mais, mas não necessariamente melhor. Resultados de duas pesquisas mostram que embora o número de leitores regulares tenha crescido no início da década, as habilidades de leitura e compreensão de texto ficaram estagnadas. A notícia está no site G1.
As opções de leitura, no entanto, se multiplicaram nos últimos dez anos, dos audiobooks aos kindles. Neste ano, uma nova vertente ganhou força: os resumos. De quanto tempo você precisa para ler um livro? Tem aplicativo promete uma obra inteira em 20, 15 e até 12 minutos. São os serviços que resumem pontos principais de algumas obras e apresentam o conteúdo condensado e direto para o leitor.
Assim, é possível ler "A sutil arte de ligar o foda-se", livro mais vendido do Brasil nos últimos dois anos, e o best-seller "Sapiens - Uma breve história da humanidade" no mesmo dia. Ou pelo menos o que realmente importa deles, segundo critérios do time editorial responsável. Esse grupo de pessoas avalia cada uma das obras no catálogo atrás de gorduras e de exemplos considerados "desnecessários".
Mas há limites: obras de ficção permanecem intocáveis. Nos catálogos dos aplicativos, só há livros de não-ficção. E os que mais se destacam são os que prometem ajuda e organização, seja do bolso ou da alma.
O foco não é o tempo, defende o CEO no Brasil do aplicativo Esens, Gabriel Teodoro. "A prioridade é a essência dos conceitos originais. Não dá pra substituir o livro. Nosso trabalho é identificar os principais conceitos, a linha que norteia a pessoa através daquele conhecimento."
Para "picotar" o livro, há regras:
- Garantir que não haja cópia, mas “interpretação” das informações;
- Concisão e objetividade, eliminando “encheção de linguiça” e “conceitos que se repetem”;
- É preciso que as ideias tenham começo, meio e fim;
- Fazer que o conteúdo funcione muito bem em áudio.
- Para utilizar os serviços, o cliente paga uma taxa mensal ou anual e tem acesso ao catálogo completo.
"Curiosidade", "pressa" e "ilusão de leitura" são as palavras escolhidas por Marisa Midori, professora de editoração da USP, para tentar resumir a ideia de tentar ler "um livro em poucos minutos".
Em 2012, o primeiro aplicativo de sucesso surgiu na Alemanha, o Blinkist. No Brasil, ele chegou em 2017, com o app 12 minutos. Neste ano, o mercado brasileiro ganhou mais um app deste produto, o Esens.
Por enquanto, o processo do resumo é sem ajuda de algoritmos. Há um time que lê o livro, grifa, anota e se reúne para montar a versão resumida.
As plataformas garantem que as obras finais não têm mais que 5% do conteúdo original. Isso é para blindar de acusações de plágio.
Para as editoras, o formato é interessante por conta dos links para compra das versões completas dos livros. Servem como uma amostra quase grátis.
Sem tempo, irmão
Um homem adulto, acima dos 23 anos, trabalha muito e tem necessidade de se atualizar constantemente, mas não tem muito tempo. Esse é o perfil médio dos usuários dos apps de resumo.
O empresário Silas Colombo, de 29 anos, é um desses leitores: "Eu consigo, em poucos minutos, captar as principais ideias e ensinamentos dos livros mais importantes e já começar a aplicar."
"Se eu gostar muito, compro o livro e me aprofundo. Quando eu quero saber um novo assunto, consigo saber mais rápido quais livros se encaixam mais no que eu preciso, aí elimino os chatos ou que não são o que eu procuro."
Não lemos mais como antigamente
O sucesso deste tipo de aplicativo mostra como mudamos a maneira de nos relacionarmos com a leitura. E é culpa do "meio digital". É o que afirma a professora Midori e também a constatação da neurocientista da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), Maryanne Wolf.
Segundo um livro de Wolf e outras pesquisas dela sobre o tema, a razão é a seguinte: por lermos cada vez mais em telas, em vez do papel, podemos estar dilapidando nossa capacidade de entender argumentos complexos. Ao "passarmos os olhos", estamos deixando de fazer uma análise crítica do que lemos e até mesmo de criar empatia por pontos de vista diferentes do nosso.
Há um motivo sociológico e psicológico também. "A sociedade capitalista consumista incentiva o consumo instantâneo de conteúdos digitais. E o mercado se adapta ao 'fast read'", diz o psicólogo Guilherme Guimarães, professor de psicologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
"Essa velocidade cria pessoas ansiosas, e a ansiedade é uma questão social contemporânea. Mas é tudo uma questão de consciência do consumo de informações."