Um projeto de lei sobre direitos autorais na internet tem causado polêmica na Alemanha. A nova lei pretende fazer com que sites de ferramentas de busca como Google, Bing e Yahoo!, passem a pagar aos jornais locais pela publicação de cada snippet (título e parágrafo que aparece nos resultados de busca com informações básicas). O advogado e jornalista alemão Till Kreutzer, 41 anos, é co-fundador do iRights.info, um portal sobre copyright no mundo digital para criadores e consumidores e ganhador do prêmio Grimme-Online 2006, além de membro da comissão alemã da Unesco para Informação e Comunicação. O especialista em direitos na rede explicou ao Terra como o conceito de copyright ficou ultrapassado e disse que exige novas soluções de criadores, consumidores e empreendedores na grande rede.
- Qual é sua análise sobre este novo projeto de lei na Alemanha?
Kreutzer - Até o momento não era necessário fazer um contrato para mostrar o snippet, porque não era protegido pela lei de copyright atual. Eu diria que é um grande problema uma vez que vai prejudicar a inovação e o progresso tecnológico na internet. O Google, por exemplo, vai ter que concluir milhares de contratos antes de oferecer o serviço, vai precisar de uma licença (do autor). Talvez o Google, Yahoo! e a Microsoft possam lidar com isso, mas as pequenas empresas, como as start-ups - pessoas com grandes ideias de como fazer a informação mais utilizável - tenham mais dificuldade. Essas pessoas, quando quiserem entrar no mercado alemão no futuro, terão que assinar contratos.
- O que pode acontecer com os pequenos jornais, que talvez não terão seus serviços na ferramenta de busca?
Kreutzer - A lei alemã seria aplicada também para websites e blogs que oferecem serviços jornalísticos. No futuro, vou ter que assinar um contrato para permitir que coloquem snippets dos meus textos na ferramenta de busca. E se eles não fizerem isso, vão se arriscar a ser processados. Também poderia acontecer que o serviço poderia deixar de fazer a indexação de notícias e chegaríamos a uma situação em que tudo mundo perde. Os editores podem perder até 50% dos usuários do website que vinham através dos serviços de busca. Quando perdem os usuários, também perdem leitores e, consequentemente, verba de publicidade. E eu, como blogueiro, perderia muitos dos meus leitores, então é claro que quero manter o serviço de indexação na ferramenta de busca.
- A lei na Alemanha poderia afetar a busca em outros países?
Kreutzer - Sim. Vamos dizer que uma pequena empresa utilize um serviço de busca em português, em Portugal, mas este serviço também estava disponível na Alemanha, para usuários alemães. Então, o serviço de busca em português terá de firmar um contrato na Alemanha também (para continuar a oferecer o serviço).
- E outros governos poderiam seguir esta decisão?
Kreutzer - O Parlamento ainda tem que aceitar o projeto de lei e esperamos que esse desastre seja evitado na Alemanha. Mas editores franceses e austríacos já viram o que está acontecendo e disseram que parece uma boa ideia conseguir algum dinheiro do Google. Se os editores forem bem-sucedidos com este lobby e passarem a lei no Parlamento alemão, poderia ser um incentivo para outros países. Mas, se for impedido, também poderia acontecer que a ideia não se espalhe a outros lugares.
- Você acha que o conceito de copyright ficou ultrapassado para esta era digital?
Kreutzer - O conceito de copyright foi inventado no final do século XVIII e há vários aspectos da lei que já não funcionam mais. Muitas coisas estão dando errado na internet e ninguém está realmente satisfeito com a lei de copyright. Este conceito precisa ser adaptado aos novos tempos.
- E a ideia de copyleft poderia apresentar alguma alternativa?
Kreutzer - Penso que não. Copyleft é muito legal e creative commons é uma grande e importante iniciativa, mas não resolve os problemas do sistema copyright. O copyleft e o movimento de conteúdo livre na internet não mudarão os sérios problemas do sistema de copyright. Usar creative commons ou outras licenças de conteúdo é algo voluntário, baseado em um decisão individual na qual o autor de uma ideia intelectual decide: "¿ok, vou liberar meu trabalho para que outras pessoas o usem". Mas é algo que muitos proprietários de direitos autorais comerciais não aceitarão.
- E você acha possível encontrar soluções para proteger os direitos autorais neste vasto mundo da internet?
Kreutzer - Sim, acho que é possível, mas não como era antigamente. O copyright foi baseado no princípio de controle. Quando o copyright foi construído, era especialmente para mercados muito pequenos. Por um lado estavam os autores e, por outro, as gravadoras de discos ou as editoras gráficas. Alguém imprimia um livro e o vendia para o usuário final, que podia lê-lo. O que não tinha nada a ver com copyright, porque o leitor não tinha a licença autoral do livro, apenas a posse do livro e o direito de lê-lo. Agora falamos de produtos imateriais, como informações e arquivos, algo que na internet não é controlável como era no mundo analógico. A internet é internacional, não tem fronteiras, os usuários são na maioria anônimos e tudo isto torna difícil fazer cumprir o direito de copyright. Quando fazer cumprir a lei e o princípio básico do controle não é mais possível, temos que criar novas ideias de compensação dos autores e empresas.
- E como lidar com a implementação de copyright nas redes sociais, como o Facebook e o Orkut, onde se compartilha informação em imagens e textos cuja autoria pertence a outra pessoas?
Kreutzer - Se eu carrego um arquivo (com obra de terceiros) e o divido com outras pessoas, estou infringindo a lei de copyright. O problema é que não posso ser encontrado, e por isso copyright não faz sentido, pois não pode se fazer cumprir. Então, a questão continua: o que pode ser feito para as indústrias e criadores no futuro, como fazer para ganhar dinheiro, como torná-los rentáveis e amortizar seu investimento? Fazendo novos modelos de negócios que sejam bem aceitos pelos consumidores. Um exemplo é iTunes ou Spotify. Os servidores ganham muito dinheiro, apesar de qualquer de seus arquivos de música possa ser encontrado de graça na internet. E por que as pessoas pagam por algo que poderia ser conseguido de graça com um clique? Porque estão prontas para pagar por serviços convenientes com preços justos e com sistemas de pagamento cômodos. E se pode ganhar muito dinheiro com conveniência.
- Então, mudar a maneira do acesso ou aquisição de produtos na internet é uma saída?
Kreutzer - Sim e isto não tem a ver com lei de copyright. É sobre economia. As pessoas não pagam pelo serviço, mas pela conveniência. A questão é: você está pronto para o novo mercado, para o desafio que está lá no novo mercado? Se você tentar engessar seu mercado ou tentar trazer as pessoas de volta ao mercado analógico, vai desaparecer. O uso da internet pode ser muito útil, mas você tem que usar as regras da internet.
- E no caso de obras que viraram patrimônio cultural? Como solucionar o desafio de bibliotecas e museus que precisam lidar com licenças autorais para divulgar obras na internet?
Kreutzer - Hoje, como não há uma exceção à regra, os museus e bibliotecas na Europa precisam obter licença autoral para cada obra de herança cultural que pretendem publicar na internet. Uma ideia seria que as instituições públicas, como museus ou bibliotecas, sejam autorizadas a colocar este material online pelo menos para os usuários registrados.