Difícil encontrar quem, ao comprar seu jato particular, não peça para alterar algum detalhe na pintura da fuselagem, nos equipamentos e tecnologias disponíveis ou na decoração e disposição dos móveis originais. Geralmente, se acaba fazendo mudanças dentro da própria cartela de opções oferecidas previamente pelo fabricante.
Troca-se uma poltrona de tecido por outra de couro, um revestimento em madeira por aço escovado, algumas poltronas por uma cama. Mas nada impede de se criar um avião com decoração totalmente personalizada. Ou melhor, a única limitação é financeira. ?Desenvolver e certificar novos materiais e peças para as aeronaves é um processo que demanda muito trabalho de engenharia, tempo e dinheiro?, afirma Luiz Sandler, diretor de marketing da Associação Brasileira de Aviação Geral e diretor de vendas da Gulfstream no Brasil.
Ainda assim o designer Marcelo Teixeira ? que tem na bagagem sete anos de desenvolvimento de interiores de jatos na Embraer e a personalização de aviões e helicópteros para celebridades, como Luciano Huck ?, decidiu propor um layout completamente novo e inusitado durante o mais importante evento do segmento, o Business Jet Interiors World Expo, realizado em Cannes, no início do ano.
Inspirado em elementos brasileiros, o projeto-conceito prevê a divisão da aeronave em três áreas principais: sala de estar e cozinha, sala de reuniões com imersão na natureza e um ambiente reservado para se refrescar e relaxar. No primeiro, as referências vêm da cozinha caipira, onde todos se reúnem em torno do fogão para interagir e celebrar. ?Essa ideia veio de minha própria experiência como bom filho de mineiros?, diz Marcelo, que deu um toque high-tech a suas memórias ao acrescentar superfícies miméticas, com peças que se escondem e surgem com um simples toque. ?A mesa sobe do chão, a pia, o fogão e o faqueiro saem de dentro do móvel e o sofá se move para gerar novas configurações?, completa.
Na área central do jato, dedicada ao trabalho, ganhou referências das belezas naturais do Rio e da Amazônia para ajudar a relaxar. Assim, surgem no piso um riacho em forma de aquário e um tapete de grama sintética ? ?ou, por que não, natural. Quem sabe no futuro não descobrimos uma forma disso ser possível?, desafia Teixeira.
A poltrona em forma de concha, desenvolvida em parceria com o designer de calçados Maurício Medeiros, tem acabamento em couro de avestruz e capitonê, ?para remeter ao trabalho artesanal brasileiro?. Por dentro, bolsos com lâmpadas LED para guardar documentos e pequenos objetos.
No fundo estará a área dedicada ao descanso, onde os tons de cinza e a parede para projeções remetem à seriedade e à introspecção de cidades como São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. ?O quarto pode se transformar em uma grande sala de cinema, com cama e cadeiras?, diz Teixeira.
?Quando se projeta o interior de uma aeronave tem-se de pensar nas quatro funções básicas que se busca nesse espaço: entretenimento, descanso, alimentação e trabalho. E tudo em um espaço muito diminuto (um jato executivo costuma ter de 3 m² a 30 m² de área interna. Acima dessa metragem são aviões comerciais adaptados como o A380 ou o Boeing 737, por exemplo)?, lembra o designer.
O toque final do projeto ficou por conta de um revolucionário teto translúcido, que permitiria voar apreciando as estrelas ou o pôr-do-sol. ?Já temos tecnologia para aplicar isso em pequenas superfícies, mas ainda é preciso fazer muitos testes antes de colocar no ar?, afirma Teixeira. ?Afinal, lá em cima não tem acostamento e não se pode errar.?