Lembrar da manhã de 24 de novembro deixa a artista visual Bárbara Milano confusa. Ela recebeu uma mensagem do cunhado no Instagram, por volta das 12h, pedindo que ela o contatasse. "Preciso do telefone da sua mãe. Me liguem, por favor", dizia o texto entregue por Fernando Veríssimo.
"Liguei na hora e ouvi dele que minha irmã havia passado mal e que não estava mais entre nós, que havia partido. Ela estava grávida de cinco meses e tinha se mudado há pouco tempo para Rondonópolis, no Mato Grosso. Na hora, eu desliguei. Minha mãe não estava em casa, me acabei de chorar. Depois, foquei em como traríamos o corpo para cá, queria cuidar da partida dela", conta Bárbara.
Beatriz Milano tinha 27 anos, era médica veterinária e estava grávida de Helena. Ela e Fernando se relacionavam há 11 meses, com um término no meio, que só voltou a ser namoro quando ela descobriu que estava esperando uma filha. Na noite em que ela morreu, ele a teria pedido em casamento. Fernando está preso desde o dia 19 e é o principal suspeito da morte de Beatriz. Ela sofreu um traumatismo craniano após ser golpeada na cabeça.
"O primeiro laudo divulgado pelo IML não identificou o golpe. Eles precisaram fazer outra perícia no corpo para encontrar", explica Bárbara. A principal suspeita da Polícia Civil do Mato Grosso, que investiga o caso, é de que Fernando teria usado seus conhecimentos em medicina para entender a melhor forma de não deixar rastros do próprio crime. Ele é médico e atendia em hospitais públicos de São Vicente, no litoral paulista.
"Ele tem alguma coisa ruim"
Bárbara relembra o primeiro encontro com Fernando. "Ele se esforçava para ser agradável, queria participar da família. Não dava para imaginar do que seria capaz", relata.
Apesar de suspeitar do cunhado, Bárbara tentou conversar com ele alguns dias após a morte de Bia, como, carinhosamente, chama a irmã caçula. "Mandei uma mensagem tentando esconder minha suspeita. Perguntei o que realmente tinha acontecido. Ele respondeu friamente: 'Acho que foi aneurisma, Bá'. Era como um deboche, sabe? Ele me mandava áudio contando detalhes das coisas que eu perguntava. Era assustador".
Quando decidiu se separar, Beatriz teve uma conversa com a mãe. "Ela mandou uma mensagem para a nossa mãe e disse: 'Não tem jeito, ele tem alguma coisa ruim dentro dele'. Ela sentia que alguma coisa estava errada no comportamento controlador e ciumento do Fernando. Ele arrumava briga do nada, era instável. Minha irmã era uma mulher independente, amava viver a vida, era linda, vaidosa e excelente profissional. Ele não sabia lidar com tudo isso e se viu no direito de tirar a vida dela".
Pouco depois, descobriu a gravidez. A irmã conta que Beatriz ficou na dúvida se contava ou não para o ex que estava esperando um filho dele. "Esses relacionamentos abusivos deixam a gente confusa. Ela ficou na dúvida, mas achou que seria ético dizer a verdade. Então, ele disse que queria se reaproximar para ajudar a cuidar dela e da criança. Ela tinha acabado de receber uma proposta de trabalho em Rondonópolis e Fernando decidiu se mudar com ela".
"Acho que vai rolar anel hoje"
Um colega de trabalho de Beatriz contou a Barbara que a jovem foi trabalhar sorridente na sexta-feira que antecedeu o crime. "Ouvi que ela estava esperançosa, apaixonada. Falou para um amigo: 'Acho que vai rolar um anel hoje, ele me convidou para jantar em um restaurante'. Ainda não sabemos o que, de fato, aconteceu naquela noite. A única coisa que o Fernando me falou é que ele passou a madrugada na sala bebendo caipirinha".
A Polícia afirma que, em depoimento, Fernando disse que saiu para jantar com a namorada e que, quando os dois voltaram para casa, ela foi dormir. Ele diz ter passado a noite na sala e, no dia seguinte, encontrado a mulher morta no quarto. O médico estava na casa dos pais, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, quando recebeu o mandado de prisão.
Em entrevista à rádio CBN Ribeirão, ele negou participação no crime. "Não consigo nem falar em relação a isso. Não sei do que estou sendo acusado, o que aconteceu. Isso me deixa chocado, eu sou inocente".
Assédio moral e coação
A madrinha de Beatriz, Cilene Marcondes, afirma que, durante o relacionamento, a jovem presenciou diversos episódios de raiva e descontrole de Fernando, além de assédio moral intenso e coação. Bárbara, que era bastante próxima da irmã, afirma que Beatriz falava pouco da relação com o namorado.
"Eu perguntei a ela, uma vez, se tinha medo dele, se ele era agressivo. Minha irmã me respondeu que Fernando só era esquisito, controlador e que ficava com raiva facilmente. Eu não paro de pensar se eu poderia ter evitado isso. É muito confuso para mim, não existem palavras para descrever a minha dor", diz.
"Eu sou médico e branco, nunca vou ser preso"
Bárbara relembra uma frase de Fernando que a chocou. Ela, a irmã e o namorado estavam em uma praça, bebendo cerveja, quando a polícia se aproximou. "Passou uma viatura e ele disse: 'Eu sou branco, sou médico, a polícia nunca vai me prender'. Brincalhona, Beatriz tirava onda do jeito arrogante do namorado.
Na semana que sucedeu o assassinato, Fernando ligou no RH da empresa onde ela trabalhava e perguntou se tinha direito ao seguro de vida. "É um deboche atrás do outro, é muito desrespeito", garante Bárbara, que relembra com carinho e saudade a vida de Beatriz.
"A Bia era o orgulho da família, era grudada na minha mãe. Estudou, trabalhava, gostava de ficar com a família. Minha mãe ficava tranquila ao saber que éramos amigas. Não dá para entender como alguém se sente no direito de tirar a vida de outra pessoa. Eu só quero justiça. Quero que ele responda pelo que fez como manda a lei".
A reportagem tentou contato com a advogada de Fernando, que não respondeu até o momento desta publicação.