O governo brasileiro desembolsou R$ 1,77 bilhão em 2018 com compromissos financeiros obrigatórios para a manutenção e desenvolvimento das atividades de organismos multilaterais do sistema de cooperação internacional, como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a OMS (Organização Mundial de Saúde). O valor da colaboração brasileira no ano passado representou aumento de cerca de 75% em relação aos mesmos gastos do ano anterior, 2017, que somaram cerca de R$ 1 bilhão.
As contribuições regulares a organismos internacionais haviam sido interrompidas total ou parcialmente a partir de 2014, no governo de Dilma Rousseff (PT), e foram retomadas por Michel Temer (MDB) a partir de 2016.
Com os pagamentos efetuados, o governo do presidente Temer normalizou o trânsito e a posição internacional do Brasil, que habilitam o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) a participar das discussões e exercer o direito de voto nesses organismos multilaterais de comando.
Um dos principais âmbitos de decisão multilateral no qual a participação do Brasil está garantida é o da Assembleia Geral da ONU, que acontece no segundo semestre.
Nessa assembleia anual, decidem-se políticas conjuntas em nível mundial, em áreas como combate à pobreza, proteção a mulheres e crianças e pacificação de conflitos militares. Cada país-membro, independentemente de tamanho e riqueza, tem o mesmo peso na assembleia, o direito a um único voto, e cabe ao presidente brasileiro o discurso de abertura de cada encontro. No final deste ano, portanto, aguardam-se as palavras inaugurais de Bolsonaro.
Manutenção da ONU
Especificamente para a manutenção da ONU, o governo brasileiro gastou em dezembro último R$ 124,2 milhões com pagamentos do exercício 2018 e de outros exercícios.
O montante, contudo, foi insuficiente para saldar toda a dívida do Brasil com a entidade. Ficaram pendentes outros R$ 247,4 milhões, segundo a área de Planejamento. O Brasil também contribuiu com R$ 110 milhões para o apoio de missões de paz da ONU.
Tradicionalmente, segundo estudos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão de assessoramento do governo federal, os valores da cooperação com organismos internacionais multilaterais (que englobam múltiplos países) correspondem a cerca de 80% de toda a cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional.
O valor das contribuições bilaterais brasileiras (do Brasil diretamente com outro país) representa cerca de 10% do total da cooperação.
ONU em crise
A ONU foi criada em 1945, ao fim da Segunda Guerra Mundial (1939-45), com o objetivo de trabalhar pela paz e desenvolvimento mundiais e tornou-se, com os anos, o principal fórum de negociação e mediação de conflitos entre as nações.
Com sede em Nova York, a entidade vem, entretanto, enfrentando problemas graves de financiamento e sofrendo ataques seguidos à sua legitimidade, como os do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, que prega a prevalência de acordos bilaterais (de país com país) a multilaterais (envolvendo muitos países).
Os norte-americanos são os principais contribuintes para a manutenção da ONU, pagando 22% do orçamento geral. Para 2018-2019, o orçamento aprovado para custear as atividades da entidade foi de US$ 5,4 bilhões.
O restabelecimento dos pagamentos por Temer reforçou a posição histórica adotada pelo Brasil, como sublinha o analista João Brígido Lima, coordenador do projeto Cobradi (Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional), do Ipea.
"Desde a Segunda Guerra Mundial, o Brasil sempre afirmou que preferia a via dos acordos multilaterais, via Nações Unidas, principalmente, que eliminam um pouco do poder de quem tem dinheiro, do país rico", descreve.
Colaboração internacional na mira de Bolsonaro
O futuro da cooperação internacional do Brasil é incerto. Durante a campanha presidencial, o então candidato Bolsonaro afirmou que, caso eleito, retiraria o Brasil da ONU. Acusou-a de "reunião de comunistas" que "não serve para nada".
Em encontro com Mike Pompeo, secretário de Estado dos Estados Unidos, após a posse como presidente, o brasileiro teria manifestado a intenção de se alinhar aos norte-americanos e deixar o Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular da ONU, uma política para refugiados à qual o Brasil aderiu em dezembro último, com Temer. Os Estados Unidos não aceitaram o acordo e dele não participam.