Travesti fica desfigurada após prisão e investigações apontam que houve tortura

“Há suspeita de tortura em virtude de como o rosto de Verônica ficou desfigurado”, diz a defensora pública Juliana Belloque.

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A travesti Verônica Bolina acusa policiais militares e civis de agredi-la quando foi presa em São Paulo, de acordo com nota divulgada por órgão da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Verônica foi detida na sexta-feira (10) por suspeita de tentar matar uma vizinha idosa. Depois, no domingo (12) arrancou a dentadas a orelha de um carcereiro dentro de um distrito policial.

O portal teve acesso a fotografias feitas pela Defensoria Pública que mostram Verônica com o rosto inchado e desfigurado, além de lesões e hematomas na barriga e nas costas. Gravações nas quais a travesti isenta os policiais de tortura são questionadas pela Defensoria.

Para o núcelo especializado de combate à discriminação da Defensoria Pública, há indícios de tortura, maus-tratos, excessos, abusos, exposição indevida da imagem, coação e constrangimento ilegal envolvendo a prisão e contenção de Verônica.

"Há suspeita de tortura em virtude de como o rosto de Verônica ficou desfigurado", diz a defensora pública Juliana Belloque. "É difícil acreditar que para conter uma presa ela tenha que ficar com o rosto espancado".

A denúncia de agressão foi feita, inicialmente, ao Centro de Cidadania Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT), vinculado à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo. Campanha na internet #SomostodasVerônica pede respeito às travestis.

Nota divulgada pelo Centro de Cidadania informa que Charleston Alves Francisco, de 25 anos, que usa o nome social de Verônica Bolina, relatou “ter sofrido agressão em vários momentos por parte de policiais militares e de "preto", fazendo referência aos agentes do Grupo de Operações Estratégicas (GOE), ocorridas no momento de sua prisão” e “durante o episódio em que atacou o carcereiro da Polícia Civil por conta de uma troca de cela e no Hospital do Mandaqui quando do atendimento médico”.

Verônica foi presa na sexta-feira (10) por suspeita de tentativa de assassinato a uma vizinha idosa. No domingo (12), a travesti supostamente se envolveu em confusão com outros presos e foi acusada de arrancar a dentadas a orelha de um carcereiro.

A equipe de reportagem não conseguiu falar com Verônica, que permanece detida no 2º Distrito Policial, Bom Retiro, a espera de uma vaga no sistema prisional. Segundo a nota do Centro, agora, Verônica está numa “cela individual e tem garantido o uso de suas roupas femininas e peruca de uso próprio, respeitando a sua identidade de gênero”.

O Centro informou ainda que “intermediou o encontro de Verônica com sua mãe, Marli Ferreira Alves Francisco” e que está dando “assessoria jurídica e psicológica” à família da travesti.

Conduta dos policiais

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que a Corregedoria da Polícia Civil instaurou procedimento para apurar a conduta dos policiais envolvidos na contenção de Verônica e vazamento de fotos envolvendo o caso.


Segundo o delegado Luiz Roberto Hellmeister, titular do 2º DP (Bom Retiro), Verônica foi indiciada por tentar matar uma senhora de 73 anos, resistência e tentativa de evasão, entre outros crimes.

Ela foi ouvida na tarde desta quarta-feira. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, os policiais que ouviram o depoimento afirmam que ela confirmou que, quando estava detida em uma cela, expôs a genitália e começou a se masturbar, o que provocou a revolta dos outros presos.

De acordo com a versão da polícia, para conter a situação, um carcereiro entrou na cela para retirá-la, quando Verônica o atacou com uma mordida na orelha. O delegado esclarece que Verônica se machucou durante esses confrontos.

O delegado apontou, ainda em nota divulgada pela secretaria, que Verônica, por causa da sua condição sexual, pode solicitar uma sala separada do restante dos presos, mas que não houve esse pedido. Verônica permanece na delegacia de maneira provisória, até a destinação para uma unidade da Secretaria de Administração Penitenciária.

Sobre a queixa de que o cabelo de Verônica teria sido cortado, o delegado esclarece que ela já tinha cabelos curtos quando chegou à delegacia, pois costumava usar peruca antes de ser presa", diz a nota.

Gravações questionadas

A defensora pública Juliana Belloque também quer saber como foram gravados os dois arquivos de áudios no qual Verônica diz que não foi torturada e isenta os policiais de qualquer agressão.

"Eles reagiram dentro de suas leis” e era direito deles agirem “para contê-la”, diz o áudio. Sites como o Youtube também reproduziram o áudio.

Na quarta-feira (15), outras defensoras públicas foram ao 2º DP conversar com Verônica, que, reiterou o que havia dito no áudio divulgado na internet. Na ocasião, um delegado e um carcereiro estavam presentes no mesmo ambiente onde a travesti era ouvida pela Defensoria Pública.

“Não foi permitido contato reservado das defensoras com a presa, permanecendo o delegado e o carcereiro ao lado durante a entrevista, afirmando que a ela que ‘deveria falar a verdade, sem aumentar nem diminuir’, bem como sabia que diante dela ter arrancado a orelha de um agente ‘teria ficado barato’”, disse Juliana.

Para a defensora, o áudio disponibilizado na web e as declarações de Veronica a Defensoria Pública foram feitos na delegacia onde ela foi agredida anteriormente e sob a presença de policiais, o que sugere constrangimento.

“Tal cenário evidencia uma situação de constrangimento nas declarações dela, num ambiente que, em tese, sofreu agressões e maus-tratos”, disse Juliana. “A presença dos policiais foi ostensiva e intimidatória”.

No pedido feito pela Defensoria Pública à 1ª Vara do Júri da Capital está solicitação para que Veronica seja ouvida novamente pelas defensoras no Fórum da Barra Funda, na presença de um juiz.

“Verônica precisa dar suas declarações num ambiente longe de onde houve aquela confusão até para que não fique constrangida ou intimidada”, disse Juliana.

#SomostodasVerônica

A divulgação de fotos de Verônica Bolino detida, com os cabelos raspados, rosto desfigurado e com os seios à mostra indignou organizações de direitos LGBT, que criaram o movimento #SomostodasVerônica nas redes sociais. Uma página sobre o tema foi criada no Facebook e os organizadores afirmam que ela teve “a dignidade jogada fora”.

“Verônica apareceu numa foto. Seus cabelos estavam raspados, seu rosto desfigurado, sua roupa arrancada, sua dignidade jogada fora. Disseram que Veronica roubou alguma coisa. Ou que ela foi presa porque mordeu um policial. O motivo não importa, as fotos que mostram Verônica neste estado mostra que ela não foi tratada como cidadã, como pessoa. Ela foi tratada como um objeto que não gostamos, amassamos, rasgamos e jogamos fora sem muita importância. Verônica é mulher trans. Veronica é negra. Veronica é chamada de traveco Tysson e todo mundo ri”, diz uma das frases da campanha.

O deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) aderiu à campanha e divulgou longo texto em defesa de Verônica, contra a transfobia e em defesa dos direitos humanos. Para o deputado, ela foi exposta pela polícia, quem a deveria defender.

Ele colocou sua equipe à disposição da família de Verônica e levará a história à Comissão de Direitos Humanos da Câmara à CPI da Violência contra Jovens Negros e Pobres, à Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher e também à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República para averiguar se, de fato, houve ou não tortura.

“Verônica Bolino, torturada, humilhada e exposta pela Polícia Civil de São Paulo, a mesma que deveria proteger seus direitos e sua vida. Quando duas discriminações se chocam, como é o caso de Piu [travesti morta] e de Verônica, ambas trans negras, esse grupo é colocado em uma das mais vulneráveis situações da nossa pirâmide social!", escreveu o parlamentar.

"Uma pesquisa sobre os direitos das trans negras no Brasil, publicada pela ONG internacional Global Rights, corroba a realidade dessa população, impactada desproporcionalmente por diversas formas de violência física e sexual. Os dados da pesquisa foram apresentados durante uma audiência temática sobre os direitos das pessoas trans negra no Brasil diante na Comissão Inter-Americana de Direitos Humanos”, diz Wyllys em sua página no Facebook.

O deputado também lembra que tem um projeto de lei que garante “o direito de toda pessoa ao reconhecimento de sua identidade de gênero, protegendo estas pessoas de diversas situações que criam constrangimento, problemas, negação de direitos fundamentais, constante e desnecessária humilhação, quando não de um ataque às suas integridades físicas”.

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