Trecho do Solimões vira deserto pela 2ª vez, e secas extremas míngua pesca

O desaparecimento do rio significou o fim da atividade extensiva de pesca dos chamados peixes lisos.

Solimões | Reprodução
Siga-nos no Seguir MeioNews no Google News

Os moradores da Terra Indígena Porto Praia de Baixo, na região de Tefé (AM), dizem que Onisson Gonçalves, 32, é um homem que "tem a sorte".

O indígena kokama, pai de três crianças, é descrito na comunidade como um dos melhores pescadores de peixes lisos no rio Solimões —que banha a frente de Porto Praia— e nos lagos conectados ao rio. É assim que são chamadas espécies sem escamas, como surubim, caparari e dourada.

Pescava muito, o dia inteiro, sozinho. Técnica, a do arrastão, e sorte garantiam fartura no ofício de Onisson.

Essa sorte só foi possível de se manifestar até 2022. Nas secas extremas de 2023 e 2024, o destino das mais de cem famílias do território foi radicalmente alterado. O trecho do Solimões em frente a Porto Praia virou deserto outra vez.

A Folha registrou essa realidade em 13 de outubro de 2023, quando esteve na comunidade. A reportagem voltou a Porto Praia, na última quarta-feira (18), e constatou a mesma paisagem e os mesmos efeitos da seca que paralisa o território.

Indígenas dizem que a crise em 2024 é ainda mais severa, por ter sido antecipada em um mês e por obrigar a ancoragem dos barcos pequenos a uma distância ainda maior do portinho da aldeia —3 km, ante 2 km no ano passado.

O desaparecimento do rio significou o fim da atividade extensiva de pesca dos chamados peixes lisos. Poucos se dispõem ou têm recursos para contornar as ilhas do outro lado dos bancos de areia que se formam, e seguir em jornadas até lagos, poços e trechos de rio com alguma fartura de peixes.

O dinheiro com a venda desses peixes permitia uma subsistência confortável até o fim do ano. Famílias conseguiam ganhar até R$ 6.000 com a atividade, o que garantia o pagamento das despesas até o início da cheia.

Com o desaparecimento do rio, indígenas kokamas, tikunas e mayorunas venderam o material de pesca. Onisson foi um deles.

"Vendi meu material de arrastão no ano passado", diz ele, que insiste na pesca do peixe liso, até o canal por trás das ilhas. Agora, ele usa um material emprestado. "Acho que vai dar para pescar bem."

No dia em que esteve em Porto Praia, em outubro de 2023, a Folha registrou numa imagem o retorno de Onisson à sua casa, após pesca em um lago do outro lado dos bancos de areia.

Feita por meio de um drone, a foto capta as pegadas do pescador na areia, numa imagem que remete a um deserto, embora tenha sido feita num dos principais rios da amazônia, a maior floresta tropical do mundo, um bioma marcadamente úmido e chuvoso. Onisson carregava um cesto nas costas —chamado de paneiro—, com peixes até a metade do recipiente.

Em Porto Praia, as consequências da seca extrema são evidentes. A realidade de 2023 em diante não se compara a anos anteriores, diz a comunidade. O modo de vida foi fortemente impactado com o desaparecimento do rio, que desnorteia as famílias e alarga as distâncias a serem percorridas por estradas e pela lama.

Onisson Gonçalves- Foto: Lalo/Folha

Carregue mais
Veja Também
Tópicos
SEÇÕES