Se você nunca provou um prato com trufas (os tubérculos, não as de chocolate), não está sozinho. No Brasil, são ingredientes incomuns.
Nossa terra dá de tudo. Mas não dá trufas. São poucos, na verdade, os países que podem se orgulhar de ter trufas de boa qualidade.
A Itália é o principal deles. E a França disputa o posto de melhor solo para trufas com os italianos. Para quem quer provar, ou já provou e gosta, os meses de agosto e de setembro são os mais indicados para comer trufas no Brasil.
Nessa época, muitos restaurantes italianos daqui organizam o festival das trufas, com preços bem variados, que podem ir de R$ 75 por um prato a R$ 300 reais por um menu com várias combinações. Não é barato, mas para quem tem vontade de saborear um prato típico da Itália com trufa, vale o investimento. Independentemente de já ter provado ou não trufas, vale a pena conhecer um pouco da sua história e toda a tradição em torno de seu comércio e consumo.
A trufa não é apenas um dos ingredientes mais caros da culinária internacional, é também um dos mais interessantes. Trufas não são corriqueiras nem mesmo na França e na Itália, os países com as melhores safras. São raras de ser encontradas, não é possível cultivá-las e, por isso, sua fonte é limitada. As trufas só nascem próximas a raízes de determinadas árvores (carvalho, cistácea e aveleira), em locais em que o clima é bem úmido.
O fato de ter uma de suas árvores favoritas por perto não é garantia de ter uma trufa. E não adianta se ajoelhar e cavar a terra para encontrá-las. Nós, humanos, não temos a competência necessária para achá-las. Somente cães, com seu faro apurado e bem treinados, podem fazer o serviço. A caça às trufas faz parte da mitologia em torno desse ingrediente.
A capacidade de treinar os cães e cavar sem machucar o tubérculo é um conhecimento passado de pai para filho. Famílias inteiras vivem de ser trufeiras ou cavadoras há muitas gerações. Há pacotes turísticos que têm como chamariz a caça às trufas pelos coletores mais conhecidos. Há dois tipos de trufas mais valorizados na cozinha. As trufas negras, que podem ser encontradas por cerca de dez meses por ano.
E as cobiçadas e aromáticas trufas brancas, que só dão o ar da graça em dois meses do ano, normalmente, outubro e novembro. São as mais cobiçadas não só por serem ainda mais raras, mas também por serem as mais aromáticas. Custam tanto dinheiro que seus preços fazem parte da galeria de curiosidades em torno das trufas. Eles variam de acordo com a qualidade e o tamanho.
As trufas negras custam, em média, 2 mil euros o quilo. O livro de recordes Guinness registra uma trufa branca de 1,5 quilo vendida por 125 mil euros a um comprador de Hong Kong.
O leilão dessa trufa foi noticiado assim como o jantar em que ela foi servida. A trufa é a celebridade dos tubérculos. Tive uma aula sobre trufas com o chef italiano Alessandro Mooney, do restaurante milanês L'Ulmet. Ele é um especialista em trufas. Veio ao Brasil por convite do chef Pedro Vita, do restaurante Fiore, de São Paulo, para comandar o festival de trufas da casa. Algumas dicas do especialista italiano:
Onde comprar
O local mais tradicional na produção de trufas na Itália é a cidade de Alba, na região de Piemonte. No entanto, o chef Mooney prefere comprar as trufas da Toscana. Segundo ele, são muito boas e não carregam o sobrepreço da fama exagerada, como ocorre com as trufas de Alba. “Por lá, se paga mais caro por trufas da Toscana só porque estão sendo vendidas em Alba”, disse ele.
A dica de Mooney: se viajar pela Itália e for passar pela Toscana, segure o impulso de comprar trufas e seus derivados (azeites e outros temperos trufados) em Piemonte. A trufa é muito delicada e perde muito com a umidade. É possível preservar uma trufa por, no máximo, uma semana – e com alguma perda. “Pago 600 euros numa boa trufa. Se eu só a uso três dias depois, ela já diminuiu de tamanho. Perdi, aí, uns 100 euros em ingrediente”.
A dica de Mooney: compre no dia em que for cozinhar (ou um dia antes).No Brasil, é possível encontrar ótimos azeites de trufas importados da Itália. São industrializados e a duração deles é maior. Eles seguem a mesma regra de uso das trufas cruas: devem ter acompanhamentos de sabor neutro.
Como guardar
A melhor forma de preservar uma trufa é mantê-la com a camada de terra que ela é vendida. Não pense em limpá-la para guardar.
A dica de Mooney: só a limpe no momento em que for usar.
Como e com o que usar
O grande trunfo de um prato com trufas é incrementar o aroma do alimento. Por isso, ela deve sempre ser usada crua, normalmente ralada sobre combinações que não encubram seu sabor. Para não errar pense em preparos neutros. Entre as carnes, o filé mignon, a alcatra e a picanha caem bem com trufas. Costela, não. Entre os peixes, prefira a tilápia ao salmão ou à anchova. Entre os risotos, o de parmesão é o mais indicado a receber as lascas de trufas raladas. A combinação “Romeu e Julieta” ou “par perfeito” dos pratos com trufa é o ovo frito.
Isso mesmo.
O mais singelo e popular dos alimentos é o que se casa melhor com o mais raro deles. Foi como tempero para o ovo frito que a trufa surgiu séculos atrás entre camponeses italianos. Muita experimentação já foi feita com trufas. Nenhuma foi tão feliz quanto a primeira. Essa talvez seja uma das únicas unanimidades que já encontrei entre diferentes cozinhas. Na francesa, na italiana ou na japonesa, a trufa com gema mole produz um sabor imbatível. Eu, pessoalmente, nunca provei um ovo tão saboroso.
A clara, normalmente insossa, adquiriu um certo sabor terroso com a adição de trufas negras. Se eu tiver de escolher um único prato para sentir o sabor da trufa, ele será o ovo frito. É possível pedir ovo frito como prato principal nos restaurantes italianos mais caros e badalados se ele for acompanhado de trufas. Ah, um segredo contado pelo catador de trufas do chef Alessandro Mooney: se tiver a oportunidade de ter uma trufa em casa, guarde-a junto aos ovos crus (com as cascas mesmo). Esse contato é capaz de impregnar clara e gema com o aroma da trufa, muito antes do preparo. O resultado é o melhor ovo frito trufado que se pode encontrar. Palavra de comensal.