Turismo de natureza é chave para desenvolvimento econômico regional

Iniciativas desenvolvidas na Mata Atlântica e no Pantanal usam a gestão qualificada de áreas naturais protegidas como meio para a geração de empregos e renda

Mata Atlântica | Divulgação/Fundação Grupo Boticário
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Duas iniciativas em andamento na Mata Atlântica e no Pantanal têm demonstrado que grandes remanescentes naturais em bom estado de conservação representam uma oportunidade única para impulsionar a economia regional. Além disso, os patrimônios cultural e histórico dessas regiões também são ativos importantes para fomentar o turismo e despertar o interesse em proteger e gerir adequadamente as áreas naturais. A Grande Reserva Mata Atlântica e o Alto Pantanal têm como base a metodologia desenvolvida pelo biólogo espanhol Ignácio Jiménez-Pérez, apresentada no livro Produção de Natureza: Parques, Rewilding e Desenvolvimento Local, lançado neste mês no Brasil.

O conceito de “Produção de Natureza” foi desenvolvido por Jiménez-Pérez quando trabalhou na Conservation Land Trust (CLT) ao longo de 13 anos no projeto de Esteros Del Iberá, na Argentina. A proposta defende que a produção da natureza seja a base para o desenvolvimento econômico e social de áreas que preservam importantes patrimônios naturais. Dessa forma, a natureza passa a oferecer produtos e atrativos para serem comercializados de forma sustentável pelo ecoturismo.

Inspiração internacional

Junto ao governo argentino e à província de Corrientes, Jiménez-Pérez participou da criação do maior Parque Natural do país, recuperando espécies selvagens extintas, como veado-campeiro, tamanduá-bandeira, cateto, anta, arara e onça-pintada. Além do impacto ambiental positivo sobre a biodiversidade, a experiência de Iberá serviu para gerar novas opções de desenvolvimento para uma região marginal dentro da economia e política argentinas.

A criação do Grande Parque Iberá não só gerou novas oportunidades de emprego como também promoveu a valorização da cultura local e a criação de uma nova Secretaria de Turismo em uma província que antes não se via como turística. Em paralelo, a mídia internacional começou a falar sobre a região, o que fez com que o The New York Times e a revista National Geographic elegessem Iberá como um dos 50 principais lugares de natureza no mundo para se visitar, expondo-o como um destino turístico e como um exemplo de restauração ecológica e cultural.

Potencial brasileiro

Apesar das características singulares do Brasil, dados da Organização Mundial do Turismo (OMT) apontam que as taxas de crescimento do turismo internacional no País foram de 0,6%, em 2017, e 0,5%, em 2018. Já no Peru e na Argentina, segundo informações do Ministério do Comércio Exterior e Turismo do Peru e do Instituto Nacional de Estatística e Censos da Argentina, o crescimento em 2018 foi de 10% e 7,5%, respectivamente. Além disso, cada turista gastou, em média, US$ 53,96 por dia durante a passagem pelo Brasil, sendo que os três destinos mais procurados têm a natureza como um forte ponto em comum: Rio de Janeiro (atraindo 29,7% dos turistas), Florianópolis (17,1%) e Foz do Iguaçu (12,9%).

Já dados da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o consumo interno de turismo teve um aumento de 3,2% entre os meses de janeiro e julho de 2019 quando comparado ao mesmo período do ano passado. “Se levarmos em conta que o Brasil tem atrações naturais que incluem as cataratas mais visitadas da América, o Pantanal e a Mata Atlântica, chama atenção a escassa visitação em relação a países vizinhos”, analisa Jiménez-Pérez. “Isso nos mostra claramente como o Brasil é um gigante territorial que está ‘comercializando’ seus enormes atrativos naturais (incluindo Parques Nacionais e outras áreas protegidas) de uma maneira muito inferior a outros países da região. Se compararmos a esses padrões, parece evidente que há uma oportunidade perdida de valorizar e aproveitar a riquíssima biodiversidade brasileira”, ressalta.

A força da biodiversidade

O trabalho desenvolvido por Jiménez-Pérez estimulou o lançamento de dois movimentos no Brasil que prezam pelo desenvolvimento territorial a partir da conservação da natureza e dos atrativos turísticos, históricos e culturais que pequenos municípios localizados em meio a grandes áreas naturais oferecem.

O Brasil abriga a maior biodiversidade mundial, cerca de 20% das espécies do planeta. Dessas, a Mata Atlântica – bioma cujo território foi reduzido a 7% da sua cobertura original, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente – concentra 35% da biodiversidade vegetal nacional, além de cerca de 850 espécies de aves, 370 de anfíbios, 200 de répteis, 270 de mamíferos e 350 de peixes. “A conservação da natureza não é um empecilho para o desenvolvimento, mas sim um meio econômico que gera uma série de bens e serviços de qualidade, com alto valor agregado. Os atrativos naturais e culturais são oportunidades para geração de emprego e renda, principalmente para os jovens, que se sentirão motivados a permanecerem no local onde nasceram e cresceram”, explica o diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS), instituição idealizadora da Grande Reserva Mata Atlântica, Clóvis Borges.

O local é um grande remanescente do bioma, formado por 2 milhões de hectares localizados nos estados do Paraná, São Paulo e Santa Catarina e conectados por um mosaico de Unidades de Conservação (UC) públicas estaduais e federais e Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN). A região abriga espécies endêmicas, como o mico-leão-da-cara-preta e o papagaio-de-cara-roxa, e animais ‘topo de cadeia’ que indicam a qualidade ecológica do local, como a onça-pintada. O objetivo da iniciativa, que envolve uma grande rede de atores do empresariado local, poder público, academia, gestores de unidades de conservação, ONGs e pessoas sensibilizadas, é tornar a região um destino turístico de natureza como mecanismo para o desenvolvimento regional.

“O patrimônio natural que temos é um importante ativo para o desenvolvimento econômico e social. É preciso fortalecer a imagem da Mata Atlântica como destino turístico e estimular a visitação para que todos compreendam a importância da conservação e que a comunidade local aprimore cada vez mais os serviços oferecidos”, afirma Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, que também está à frente da iniciativa.

Assim como a Grande Reserva Mata Atlântica, o Alto Pantanal também reúne instituições e pessoas que atuam na região, como pesquisadores, empresários e a própria comunidade, para pensar em oportunidades de negócios e melhorias para a cadeia do turismo regional do bioma mais bem preservado do País. O projeto é liderado pelo Instituto Homem Pantaneiro (IHP) e pela Rede do Amolar. “A despeito da principal atividade econômica do homem pantaneiro ter sido, historicamente, a pecuária, a fauna foi protegida no processo de ocupação que é, hoje, um exemplo para o mundo. Com a metodologia de Produção de Natureza conseguimos enxergar novas possibilidades, trazendo um olhar e foco mundial ao turismo com base nas exuberâncias locais”, diz o diretor do IHP, Ângelo Rabelo.

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