Pesquisadores do Grupo de Trabalho Agrotóxicos e Saúde, da Fiocruz, divulgaram um novo alerta sobre o impacto a ser causado na saúde dos brasileiros se o projeto de lei 6.299/2002, que tramita no Senado e flexibiliza as normas de adoção de pesticidas no País, for aprovado.
O chamado “Pacote do Veneno” permitirá o registro de novos defensivos agrícolas e concentrará no Ministério da Agricultura, Pesca e Abastecimento (Mapa) a decisão sobre esses produtos, que hoje são avaliados também pela pasta do Meio Ambiente e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O documento expressa preocupação sobre os prejuízos ao meio ambiente e à saúde das pessoas pela exposição aos agrotóxicos. Falta informação clara sobre o uso dessas substâncias nos alimentos, dizem os pesquisadores.
Informação não é lei
Aline Gurgel, vice-coordenadora do grupo de trabalho, explica que vestígios de agrotóxicos podem estar presentes tanto em alimentos in natura quanto em produtos industrializados, já que não existe uma técnica capaz de remover 100% dos resíduos.
Pode haver resquícios de pesticidas no tomate e no molho pronto; na fruta e no suco industrializado. Segundo ela, já foram identificados indícios em polpas, massas, salgadinhos, biscoitos, pães, ovos, leite, carnes e outros alimentos:
“Não há obrigatoriedade de rastreio de agrotóxicos em alimentos, à exceção daquele feito no âmbito do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para) e voltado para algumas culturas de alimentos in natura, como morangos, pimentões e tomates. Também não existe lei que obrigue a indicação de que um alimento foi produzido com pesticida.”
Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) constatou que resíduos de agrotóxicos permanecem até em bisnaguinhas, bolachas recheadas, biscoitos de água e sal, cereais, bebidas de soja e salgadinhos. Foram analisados 27 produtos de oito categorias. Dessas, seis apresentaram vestígios de defensivos, dentro dos limites permitidos pela legislação.
Os produtos são: bebida de soja Naturis (Batavo); cereal matinal Nesfit (Nestlé); salgadinhos Baconzitos e Torcida (ambos da Pepsico); pães bisnaguinha Pullman (Bimbo), Wickbold, Panco e Seven Boys (da Wickbold); biscoitos de água e sal Marilan, Triunfo (Arcor), Vitarella e Zabet (ambos da M. Dias Branco); e os recheados Bono e Negresco (Nestlé), Oreo e Trakinas (Mondelez).
O Idec ressalta que em nenhuma amostra a substância encontrada estava acima do limite permitido. Os itens foram escolhidos por terem trigo, milho ou soja em sua composição.
“São produtos que muitas crianças comem todos os dias. A dosagem de agrotóxico para uma criança é mais prejudicial para o desenvolvimento dela do que para o de um adulto”, diz Rafael Arantes, nutricionista do Idec.
Debate público
Atualmente, os rótulos não trazem informações sobre a presença de resíduos.
“É importante criar um debate público sobre como informar o consumidor sobre a presença dessas substâncias”, defende Cecília Cury, advogada e fundadora do Movimento Põe no Rótulo.
Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Princeton, da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Insper revela que a disseminação do glifosato — o defensivo mais utilizado no Brasil — nas lavouras de soja levou à alta de 5% na mortalidade infantil, com impactos no peso ao nascer e no tempo de gestação, em municípios que recebem água de regiões produtoras, diz Rodrigo Soares, professor do Insper e responsável pelo estudo.
Para o gerente-geral de Toxicologia da Anvisa, Carlos Alexandre Oliveira Gomes, a população tem o direito de saber o que está consumindo. Mas ele não considera necessariamente um problema o fato de haver resíduos nos alimentos:
“Hoje, os alimentos no Brasil são seguros à luz da ciência atual”, afirma.
Empresas garantem que resíduos estão no limite permitido
A PepsiCo informou que em todos os seus produtos, incluindo Torcida e Baconzitos, são usadas matérias-primas compradas de fornecedores que cumprem a legislação, e que os resíduos de defensivos agrícolas “estão dentro dos níveis autorizados pela Anvisa e são seguros para consumo humano.”
A Marilan Alimentos afirmou que é “comprometida com a qualidade de seus produtos, atuando sempre em prol da saúde, segurança e bem-estar dos consumidores”, ressaltando que observa todas as normas da Anvisa.
A M. Dias Branco, das marcas Vitarella e Zabet, declarou que tem um programa de monitoramento e testagem de resíduos de agrotóxicos nas matérias-primas. A empresa pontuou que os vestígios das amostras da pesquisa estão dentro da margem permitida.
A Bagley do Brasil, que responde pelos produtos Arcor, garantiu que nem as matérias-primas usadas nem os produtos contêm quantidades de contaminantes que não cumpram normas sanitárias ou tragam quaisquer riscos à saúde dos consumidores.
A Nestlé ressaltou que tem um Sistema de Gestão de Segurança dos Alimentos em suas fábricas e conta com um centro de qualidade com tecnologias de ponta. Acrescentou que “não tem registros de resultados fora dos parâmetros de segurança para as substâncias relacionadas pelo Idec.”
Fonte: Revistacenarium