O patriarcado reforçado pelo machismo e o desejo masculino em possuir e controlar o gênero feminino culminam no auge da violência: o feminicídio. No Piauí, durante o ano de 2022, foram registrados 13 casos. Antes disso, humilhações, desrespeito, silenciamento, estupro e várias outras violências.
O último caso em investigação é o de Verônica Félix Ribeiro, de 23 anos, que foi executada na zona Norte de Teresina. A família informou que a jovem não teria passagens pela polícia, mas que seria profissional do sexo, fato que poderia ter fomentado a execução por questões de gênero.
Além do homicídio
Para Eugenia Villa, advogada e estudiosa de gênero, o feminicídio é algo muito além do homicídio. "O feminicídio não é um assassinato comum. Tem uma intencionalidade adicional. Ele está passando por relações de poder, com controle sobre a mulher. É um exercício de um poder de controle. E isso é muito parecido com o estupro. O estupro de uma mulher não é para satisfazer a libido, ele está vinculado ao exercício do poder e controle sobre uma mulher", revela.
A advogada explica que essa virada de chave tem que ser dada não apenas através da violação da dignidade sexual, pois é um exercício de poder e controle.
"Um homem mata uma mulher quando ela causa irritabilidade nessa relação de poder. Ela está se resignando ao controle. De algum modo ela não quis mais ele, não deseja mais ele e ele perde o poder da masculinidade. Então ele se auto coloca como não mais um homem. É como se fosse uma impotência da masculinidade. Esse controle é o próprio patriarcado, que impõe a supremacia do homem", acrescenta Villa.
A linguagem patriarcal existe há mais de 2,6 mil anos. Todas as linhas de filosofia, na arte, na pintura, na escultura e do conhecimento parte de uma visão androcêntrica, isto é, a partir do homem.
"A gente sente falta da presença de uma mulher. O problema é amplo e estrutural, além de estruturar as relações sociais. A mulher que quer romper com isso, nós que somos teóricas e pensadoras feministas, estamos com um novo olho. Fomos silenciadas e ficamos caladas. Mas estamos reagindo", considera a advogada.
‘Abaixo o patriarcalismo que vai cair’
Na Marcha das Vadias, movimento nacional em defesa do feminicídio, uma das palavras de ordem grita: ‘abaixo o patriarcalismo que vai cair, que vai cair’. Mas o que seria o tal sistema patriarcal? Os nomes patrimônio e matrimônio indicam a lógica machista. O homem deveria agregar o ter, enquanto a mulher a unidade familiar. Mas onde fica a liberdade feminina de ser o que quiser?
O patriarcado nada mais é do que o conjunto de normas inatas que transformam o público masculino em um verdadeiro ‘Clube do Bolinha’ para um serviço de autoproteção e desmerecimento das mulheres. Daí comportamentos problemáticos. "Violência doméstica não se refere à casa, mas às relações de poder. É importante desterritorializar. É violência de gênero que se estabelece em relações institucionais, profissionais e da família. O patriarcado está presente em todas as nossas relações", considera a advogada.
O patriarcado impõe comportamentos e define como a sociedade deve ser.
"Entre homens existe uma confraria. O homem que não manda na mulher vira piada. O homem que é sustentado pela mulher é gigolô. Eu sou uma mulher de alto risco de ser assassinada por um homem que não esteja de um status superior ao meu ou que não compreenda isso. Ele vai tentar me controlar. Por isso vemos juízes sendo assassinados. Médicas. Homens impedem mulheres de se qualificarem. Questionam a vida acadêmica. Eles sabem que o conhecimento liberta", aponta Eugenia Villa.
A advogada afirma que existe uma guerra contra o patriarcado. "É uma guerra declarada. Os homens não abrem mão de um espaço que vem naturalmente. O mundo é deles. O mundo é falado, construído, pensando por eles e para eles. Eu não posso sair sozinha às 22h da noite na rua. Se eu for para um bar sozinha, tenho certeza que alguns homens se aproximam de mim por achar que eu estou disponível. Já o homem sozinho fica na dele", acrescenta.
Para Eugenia, o patriarcado veio com a colonização do Brasil pelo homem branco, católico, heterossexual e europeu. "Foi imposta língua, religião e costumes. Veio junto o patriarcado. As negras e indígenas eram estupradas. Com certeza o primeiro feminicídio no Brasil pode ter certeza que foi uma indígena que resistiu. E as amazonas eram guerreiras, a história conta. As mulheres negras, escravas, também eram estupradas e maltratadas pelas esposas dos maridos. As mulheres negras são ainda mais vulneráveis, daí a importância do feminismo negro. As mulheres brancas lutam por um trabalho, e as negras estão em trabalhos forçados", aponta.
É preciso enfrentar as violências
Para Marcela Barbosa, socióloga e estudiosa de gênero, as mulheres precisam lutar e reivindicar pelas próprias vidas. Feminicídio, transfeminicídio, violência sexual. É preciso respeito aos nossos corpos, nossos direitos reprodutivos e dignidade", explica.
O combate ao feminicídio deve ser amplo e passar por toda a sociedade. "Precisamos garantir que nossas conquistas sejam mantidas, maiores investimentos em políticas públicas, moradia, equidade de gênero nos espaços públicos, político e no mercado de trabalho", aponta Marcela.
O feminicídio e a violência de gênero silencia as mulheres. "Somos plurais e merecemos ser respeitadas todos os dias. Não bastam flores e festividades em março, o respeito deve ser diário", finaliza.