A AUSÊNCIA DA MEMÓRIA
Nathan Sousa
Em um de seus momentos mais inspirados o ?príncipe do poetas piauienses?, Da Costa e Silva, reportou-se à saudade com todas as letras de uma singular definição: ?asa de dor do pensamento?. Condenado a vislumbrar o cenário atemporal da vida, todo poeta, menor ou enorme, é também, por definição, profeta e memorialista.
Notadamente, tem-se no Piauí (e isso não parece ser muito diferente no restante do país) uma sociedade cada vez mais distante dos valores que impulsionam o Homem a buscar a plenitude através do único caminho possível: o conhecimento. O conhecimento isento de todos os vícios que a cultura de massa impõe.
Neste tocante, o trajeto é espinhoso e cheio de armadilhas, mas a leitura, a visitação constante às letras, às ciências e às artes de um modo geral ? temperada com o requinte dos clássicos ? representa o mais seguro dos guias.
Ainda assim, a figura desse guia é cada vez mais esquecida. Substituíram-na por uma superficial ?olhada? nas fichas-resumo como estratégia usada por estudantes que não podem perder tempo e questão nas provas do Enem. Eles (não eu) conseguem, com a devida proibição dos santos, resumir Jorge Amado ou O G Rego.
Sem guia, o trajeto cultural mais procurado é o que proporciona maior comodidade, onde a aceitação cega e os conceitos de bom e de belo ganham contornos estereotipados. Compromete-se o senso crítico e o questionamento (mola-mestra da racionalidade) vai, aos muitos, desaparecendo.
Das palavras abreviadas (ou seria amputadas?) da comunicação virtual, da submissão aos apelos incessantes do mercado, da pornografia explícita, seja nas revistas, seja nas letras musicais, passando pelo debate débil nos bares, nas escolas e nas residências sobre as frivolidades dos realyt shows, o brasileiro tem sido bombardeado com um arsenal pesado de inutilidades racionais que confundem heterodoxia, diversidade cultural, novidade e modernidade com vulgaridade, intolerância e apelação sensual.
De forma paradoxal, os avanços dos meios de comunicação e das novas teorias e pesquisas no campo educacional, proporcionam uma disponibilidade de informações dantes reservadas ao ostracismo intelectual das classes mais abastadas.
Hoje, podem-se encontrar clássicos da literatura e da filosofia, revistas especializadas, documentários, antologias, vídeos e discos da melhor qualidade, verdadeiros patrimônios do périplo humano pela vida e pela história, nas bancas de jornal a preços acessíveis, sem contar as incalculáveis informações dispostas nas páginas da internet. Nunca se teve tanto, tão perto e por tão pouco. Ainda assim a probabilidade de se ouvir qualquer gênero musical com letras inescrupulosas, a volumes desrespeitosamente inaudíveis, para citar apenas um dos muitos casos, pelas ruas de São Gonçalo do Piauí, de Teresina, de Brasília, de São Paulo e de onde Judas perdeu as meias, de um extremo a outro, do raiar do sol ao silêncio do ?Boa noite Cinderela? é de certos 100%.
Mas, quem, com menos de trinta anos, conhece o trio piauiense Climério, Clésio e Clodo, responsáveis por uma obra das mais originais da música popular brasileira?
Exceções existem e salvam a regra. Até já disseram que ?enquanto há vida, há esperança?, e que a pior pobreza existente é a do espírito, mas se o espírito não me engana, a diversidade cultural deve ser respeitada e debatida, caso contrário (e o caso parece ser realmente contrário), sentiremos saudades dos dias em que não tivemos tempo para ler H Dobal. Como bem me ensinou Clodo Ferreira: "quem acredita em sereias sabe os segredos do mar".
Nathan Sousa
é escritor, poeta e jornalista cultural.
As opiniões aqui contidas não expressam a opinião no Grupo Meio.