SE FALÁSSEMOS ESPANHOL, artigo de Nathan Sousa

SE FALÁSSEMOS ESPANHOL, artigo de Nathan Sousa

Nathan Sousa | Nathan Sousa

SE FALÁSSEMOS ESPANHOL

Nathan Sousa

?Posso perdoar Alfred Nobel por ter inventado a dinamite, mas só um diabo em forma de gente poderia ter inventado o Prêmio Nobel?, disse George Bernard Shaw, galardoado com a mais cobiçada das conquistas literárias, em 1925. Oitenta e cinco anos depois a Academia Sueca veio a premiar o peruano Mário Vargas Llosa, autor de ?A Guerra do Fim do Mundo? e já famoso dissidente de outro Prêmio Nobel de Literatura, o colombiano Gabriel García Márquez, representando, com este, dois dos maiores expoentes do que se chamou de boom da literatura latino-americana.

O prêmio dado a Vargas Llosa veio tardiamente, considerando que o mesmo figurava entre os indicados há muitos anos e que, sua obra, ainda que não tenha a mesma densidade do autor de ?O outono do patriarca?, tem conteúdo e elegância que não justificam tanto tempo de espera. Coisa pior já aconteceu: não deram o prêmio ao argentino Jorge Luis Borges, indiscutivelmente o responsável por uma das mais vigorosas obras da literatura de língua espanhola, e isto deixou claro que a escolha não se dá apenas pela beleza das letras.

Ao longo dos anos o prêmio ganhou status muito acima do que imaginou seu criador. Para ganhar um Nobel não é necessário apenas levar em consideração a qualidade da obra, mas a sua representação política dentro do contexto mundial. Neste exato contexto a língua tem-se mostrado até então como fator decisivo. Para a língua portuguesa resta José Saramago, escritor português que passou seus últimos anos de vida na ilha de Lanzarote, como único representante na lista dos ganhadores.

Premiações à parte, a literatura de língua portuguesa tem-se mostrado, desde o último século, cada vez mais engajada naquilo que representa, de fato, sua essência: a expressão da vida e de suas vicissitudes através da escrita. Uma premiação desse porte viria a contribuir para a divulgação ainda maior do idioma, mas como poucos países têm como língua mãe a ?última flor do Lácio?, fica mais fácil entender os motivos que levaram nomes como Jorge Amado, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos ou João Cabral de Melo Neto a não figurarem entre os premiados.

Acertadamente, o ceticismo de José Saramago ao afirmar que não há globalização, mas uma condição em que ?os ricos mandam e os pobres vivem como podem?, e o discurso de García Márquez sobre a história de exploração das Américas pelo colonizador europeu, onde ?as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra?, levam a crer que cabe a cada escritor de Portugal, Brasil, Guiné-Bissau, Timor-Leste, Moçambique, Angola, Macau e Cabo Verde, ter o compromisso exclusivo com voz ativa a primar pelo engrandecimento artístico que molda as identidades de seus respectivos povos, já que premiar ou não premiar é uma questão que ultrapassa as barreiras do merecimento pelo feito.

Afinal de contas, o problema da premiação é da Academia Sueca e, enquanto isso fica a lembrança do mesmo Bernard Shaw, que concordou em aceitar a honra, mas recusou o prêmio em dinheiro, destinando-o à tradução das obras suecas para o inglês; e a figura do francês Jean-Paul Sartre, que se recusou a aceitá-lo em defesa de suas convicções existencialistas.

Nathan Sousa

poeta, escritor e jornalista cultural



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