Diplomata Aurimar Nunes publica artigo sobre Alberto da Costa e Silva e o Piauí

Aurimar Nunes (diplomata de carreira, serve atualmente no Consulado-Geral do Brasil em Washington. Autor de “O Itamaraty e a Força Expedicionária Brasileira”). O artigo reflete posição pessoal.

Alberto da Costa e Silva faleceu dia 26 de outubro, no Rio de Janeiro | Reprodução/USP
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Alberto da Costa e Silva faleceu, na madrugada do último domingo 26, no Rio de Janeiro. Para o Brasil, a dimensão da perda pôde ser medida pelas manifestações do Presidente da República, do Ministério das Relações Exteriores, da Academia Brasileira de Letras (ABL), ao lado de incontáveis declarações de intelectuais, artistas e tantos outros que expressaram reconhecimento ao legado do acadêmico e diplomata.

Também como forma de homenagem, vale aqui resgatar a ligação de Alberto da Costa e Silva com o Piauí, que tem no pai, Antônio Francisco da Costa e Silva, poeta-símbolo e autor do hino daquele estado. Em diversas ocasiões, o Embaixador Alberto da Costa e Silva fez questão de ressaltar o profundo vínculo – sobretudo emocional – que o unia à terra natal do pai.

Os caminhos escolhidos por Alberto da Costa e Silva, na diplomacia e na literatura, trazem sinais dessa vinculação com o pai. A negativa ao anseio do poeta piauiense de se tornar diplomata serviu como combustível para que Alberto se formasse, em 1957, pelo Instituto Rio Branco. No Itamaraty, teve carreira brilhante: de jovem assessor, que acompanhou o Chanceler Negrão de Lima às cerimônias da independência da Nigéria, em 1960, a Chefe do Departamento Cultural (1983-84) e Subsecretário-Geral de Administração (1984-86), serviu nas embaixadas brasileiras em Lisboa, Washington, Caracas, Madri e Roma. Foi Embaixador do Brasil na Nigéria (1979-83) e, cumulativamente, no Benin (1981-83); em Portugal (1986-90); Colômbia (1990-93); e Paraguai (1993-95).

Como poeta, ensaísta, historiador e acadêmico, Alberto da Costa e Silva escreveu livros fundamentais para a compreensão, histórica e atual, da sociedade brasileira, como A Enxada e a Lança, A manilha e o libambo e Um Rio Chamado Atlântico: A África no Brasil e o Brasil na África. Considerado o maior africanista do Brasil, recebeu o Prêmio Juca Pato (“Intelectual do Ano”), em 2004, e o Prêmio Camões, em 2014. Foi eleito, no ano 2000, para ocupar a Cadeira N⁰ 9, cujo patrono é o também poeta e diplomata Gonçalves de Magalhães, da Academia Brasileira de Letras, da qual foi Presidente em 2002 e 2003.

No discurso de posse na ABL, Alberto da Costa e Silva fez diretas e emocionantes referências ao pai piauiense. O novo imortal iniciou sua saudação evocando versos de “Oração Silenciosa”, escrita por Da Costa e Silva no nascimento de Alberto, em 1931, em São Paulo: “O sol te acenará dos longes horizontes,/ E eu hei de despontar onde quer que despontes./ E contigo serei tudo o que sonhei ser,/ Redivivo e imortal no esplendor de teu ser”.

Explica ele, em seguida, aos colegas de Academia: “Só isto quis e quero: cumprir esse vaticínio, ser o que o meu pai sonhou ser. E, se pedi que me aceitásseis em vossa companhia, foi sobretudo porque ele teria pertencido a esta Casa se não se tivesse exilado tão pronto de si mesmo”. Chegando à conclusão de sua fala, Alberto evoca novamente a lírica do pai, desta vez com o poema “Eu sou tal qual o Parnaíba”, do livro Pandora, de 1919, e remata: “Mas, como recebi de meu pai este destino, fiquei a ouvir-lhe a voz em cada um dos poemas que me vi obrigado a escrever... E foi como poeta e filho de poeta que vim pedir que aqui me acolhêsseis”.

No ensaio “De Pai a Filho”, o ensaísta e poeta cearense Gerardo Mello Mourão reafirma essa dialética sentimental e literária entre Alberto da Costa e Silva e seu pai: “como no soneto do primeiro Da Costa e Silva, o poeta Alberto parece ter sempre ao ouvido aquele búzio de sons remotos, que lhe trazem a voz da vaga, os cânticos do vento, a memória da inacabada sinfonia da infância”.

 Na magistral entrevista, publicada na revista piauiense de cultura Revestrés, de julho de 2020, um dos entrevistadores, o professor Wellington Soares, refere-se à patente emoção, transmitida por Alberto da Costa e Silva, quando esteve em Teresina, em 2017, no relançamento do livro Zodíaco, de Da Costa e Silva, originalmente publicado cem anos antes. A resposta traz belas digressões sobre a importância do pai em sua formação: “foi a coisa mais marcante da minha vida. Deu toda a orientação da minha vida… tinha todo o tempo para o menino que eu fui”. Alberto da Costa e Silva faz também referências aos espaços públicos dedicados à memória do pai, em Teresina e Amarante.

Foi a esta segunda cidade do Piauí, local de nascimento de Da Costa e Silva, que o cineasta Douglas Machado levou Alberto da Costa e Silva para filmar, em 2009, “O retorno do Filho”. A ideia do “road movie”, amplamente disponível na internet, nasceu da leitura do livro Invenção do desenho – ficções da memória, de Alberto. O filme acompanha longo trajeto, geográfico e sentimental, do bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, onde o diplomata morava, até a cidade e a casa onde nasceu Da Costa e Silva, no sul do Piauí. É visível o encantamento do Embaixador com as casas do início do século XX e a visão dos chapadões maranhenses, depois do rio Parnaíba. Também impressionam originais, fotos e jornais, com notícias do poeta Da Costa e Silva, minuciosamente guardados pelo filho.

Ainda na entrevista da Revestrés, a professora Samária Andrade pergunta sobre a relação de Alberto da Costa e Silva com o Piauí, mesmo tendo nascido fora da capital piauiense e passado a maior parte da vida no exterior. A resposta não poderia ser mais contundente: “Eu me considero piauiense de coração. Eu nasci em São Paulo, fui gerado no Rio Grande do Sul. Vivi muitos anos de minha vida em Fortaleza, depois no Rio de Janeiro. Depois fui por esse mundo de Deus, em Portugal, na Venezuela, nos Estados Unidos, na Itália, na Espanha, na Nigéria, no Benim, em Portugal novamente, na Colômbia, no Paraguai. Em todos esses momentos eu me senti piauiense. Todas as vezes que fui ao Piauí senti uma espécie de perfume no ar. Isso a gente traz no sangue. A gente sabe que é dali, que ali é a fonte de tudo”. 

Se Da Costa e Silva foi o poeta da saudade, a lembrança do Embaixador Alberto da Costa e Silva permanecerá firme na cultura brasileira. As linhas do destino quiseram que não apenas ele trilhasse os caminhos almejados por seu pai na diplomacia. Filhos de Alberto e netos do poeta piauiense, os Embaixadores Pedro Miguel e Antônio Francisco (que leva o nome do avô) e a Embaixatriz Elza Maria da Costa e Silva continuam a empreender carreiras importantes no Itamaraty.

É com uma pequena lembrança pessoal que encerro esta homenagem: no ano de 2005, na casa de Elza, em Roma, fui apresentado, jovem diplomata, ao Embaixador Alberto da Costa e Silva, acompanhado então pela Embaixatriz Vera. Identifiquei-me como piauiense, falei da admiração pelos Da Costa e Silva, ao que fui correspondido com um abraço afetuoso e com palavras profissionais de incentivo. Antes de nos despedirmos, ele me chamou e disse: “você agora pode entrar quando quiser na minha casa. A senha do portão é... Piauí!”.

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