
A Capoeira é uma das mais antigas expressões culturais brasileiras de disciplina e resistência. Nela, o capoeirista celebra a arte marcial, o esporte, a dança e a música. É nessa prática também, que jovens e adultos relembram suas raízes.
Foi pensando nesse resgate cultural, e no sonho de mudar o destino de muitas crianças, que há 17 anos, Antônio Fagno, mais conhecido como professor Neguim, criou o projeto “Raízes do Brasil’’, uma forma gratuita de fomentar o esporte e chamar a atenção das comunidades da cidade de Altos, a 41 km de Teresina.
Esse projeto surgiu no intuito de ajudar algumas crianças que precisavam desse incentivo, não só na parte de desporto, mas também na escola. No bairro onde eu morava, a situação era precária, poucas crianças estudavam e eu vi a necessidade de ajudá-las de certa forma.
O incentivo, segundo o professor, é unir o útil ao agradável: para fazer parte das aulas de capoeira, tem que estar estudando. Uma pesquisa feita pela Unicef em 2022, mostrou que 11% das crianças e adolescentes entre 11 e 19 anos estão fora da escola no Brasil. Isso representa cerca de 2 milhões nessa faixa etária longe dos bancos escolares. Com o projeto, Neguim tenta diminuir as estatísticas.
O intuito é formar bons atletas e, acima de tudo, bons cidadãos. Sempre vou me doar o máximo nesse projeto, sou voluntário há 17 anos, e não é fácil, não temos apoio financeiro. Tudo o que fazemos é porque corremos atrás com rifas, bingos, patrocínios. Recebemos 10 nãos e um sim, mas com a força e coragem estamos conseguindo.
FAMÍLIA UNIDA NA CAPOEIRA
Praticar a capoeira requer atenção individual e compromisso, mas praticar com a companhia dos filhos torna o hábito ainda melhor. Esse é o caso de Maria Pereira, que viu nas aulas do professor Neguim uma forma de melhorar o comportamento dos filhos, Pedro Ariel e Italo, e fortalecer o laço familiar.
A gente conheceu a capoeira em um evento que estava tendo na praça, aí os meninos se identificaram. Depois de 2 anos em que eles já estavam, eu me interessei, achei muito bonito o jeito também. Aqui tem muito incentivo, antes deles entrarem na capoeira as notas eram mais ou menos, e agora melhoraram, porque eles sabem que se não tiver disciplina eles não continuam praticando. “Ave Maria’’, melhorou o diálogo também e o comportamento em casa está 100%.
Pedro Ariel, 16 anos, que já possui faixa laranja (cor que representa força e determinação), também falou sobre a importância da capoeira, e do quanto a participação ativa e a doação do professor contribuem em muito na sua vida.
Além de ajudar no meu físico, percebo uma melhora no meu foco escolar, antes eu me perdia muito e hoje tenho mais paciência e controle. Tudo isso também porque tenho por perto também um professor incrível, que me ajuda quando preciso tirar uma dúvida. Ele nunca ignorou uma ajuda, e isso eu admiro muito nele.
"Já sei tocar berimbau, é difícil para segurar, mas estou aprendendo. Acho legal estar com a minha mãe, e, na verdade, é ela que me ensina quando estou precisando aprender algum golpe diferente,” diz Italo, 10 anos, filho de Maria.
RESGATE DA HERANÇA CULTURAL
Uma das coisas que estimularam Yana Raquel a trazer seu filho Pedro, de 5 anos à capoeira, foi a relação histórica que a prática tem com a valorização da herança negra.
As aulas são para que ele se familiarize, e saiba um pouco dessa cultura. Isso serve até mesmo para as crianças não negras. Porque eles vão ter contato com essa cultura e aos poucos vamos quebrando essas barreiras de preconceito que enfrentamos, principalmente, nós, enquanto pessoas negras de peles mais claras.
COMO FUNCIONAM AS AULAS
As aulas funcionam no Centro Social Urbano de Altos, localizado na Rua Jaime Rosa, das 18h30 até às 20h30 e conta apenas com três professores voluntários: Prof. Neguim, a instrutora Lu e Cherlyene Silva, mais conhecida como Monitora Tempestade, um dos braços direitos do professor, que já completa 8 anos no projeto. João Luís, chefe do setor cultural do CSU, reconhece o trabalho do professor com os alunos:
O professor Neguim é uma figura de extrema importância para capoeira aqui no município de Altos, porque ele desenvolve um trabalho desde dos primeiros anos de idade, né? Até a idade adulta. Ele dá uma contribuição muito forte, muito grande para a capoeira e para o esporte e também a cultura do nosso município.
Hoje, o Raízes do Brasil acolhe mais 150 pessoas, dentre elas 70 são crianças. As aulas ocorrem cinco vezes na semana e são divididas por faixa etárias:
- Terças e quintas-feiras: adolescentes;
- Sextas-feiras: crianças;
- Sábados: idades mistas;
- Domingos: aula de musicalidade (ensino de instrumentos e cantos da capoeira), além de alongamento, e momento de conversa em roda.