Após três dias de julgamento, dez policiais são condenados por mortes de presos no Carandiru

PMs receberam penas de até 104 anos; eles poderão recorrer em liberdade.

Massacre do Carandiru ocorreu em 1992 | Divulgação
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Após três dias de julgamento, os jurados condenaram, nesta quarta-feira (19), dez policiais militares pela morte de oito presos no quarto andar do Pavilhão Nove da Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo. As penas variam de 96 a 104 anos.

Este é o terceiro grupo de PMs condenado pela operação que resultou no chamado "Massacre do Carandiru?, ocorrido em outubro de 1992. Ao todo, 111 presos foram mortos.

Os policiais, que na época integravam o Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), foram também condenados pela tentativa de assassinato de outros três detentos. Condenados em primeira instância, eles poderão recorrer em liberdade até que não haja mais possibilidade de recurso. Sílvio Nascimento Sabino foi o único réu condenado a 104 anos, segundo o Ministério Público, por ter antecedentes criminais. Ele já havia sido sentenciado por tentativa de homicídio.

Ao final do julgamento, o Ministério Público avaliou o resultado como satisfatório. "Nós avaliamos de forma absolutamente positiva. O resultado é satisfatório em que pese a questão das tentativas (absolvição dos réus por três tentativas de homicídio). As penas aplicadas são adequadas. Um efeito da condenação é a perda dos cargos para quem está na ativa e acreditamos que a Justiça, apesar de tardia, foi efetivamente feita", declarou o promotor Márcio Friggi.

Ele considerou o resultado como "uma resposta ao discurso da barbárie, que não foi aceito pela sociedade." "Em outras épocas, isso era inimaginável. Os policiais seriam absolvidos e receberiam medalhas", endossou o promotor Olavo Canto Neto.

Choro

O advogado de defesa, Celso Vendramini, acredita que o resultado tenha sido controverso. "Os jurados condenaram em oito homicídios, absolveram em dois homicídios e absolveram em três tentativas. Eu entendo que os jurados deveriam ou condenar em tudo ou absolver em tudo.?

Vendramini reclamou da atuação do juiz e disse que vai recorrer. "Eu fui prejudicado na minha defesa. Está tudo consignado em ata. O Tribunal de Justiça vai ficar sabendo de tudo o que aconteceu. Deveremos entrar com uma correição parcial contra o magistrado na OAB, porque tive o meu direito de advogado cerceado em plenário do júri principalmente quando foram liberadas as testemunhas que eu pedi que permanecessem no plenário", afirmou.

O advogado de defesa ainda embargou a voz ao comentar sobre a decisão. "Fiquei muito triste quando fui dar a notícia para eles, mas eles me abraçaram bastante. Eles viram que eu fiz tudo o que eu pude. Eu nunca fui tão cerceado", afirmou.

Questionado se os policiais ficaram emocionados ao receber a notícia da condenação, Vendramini asseverou: "Claro que choraram, você acha que alguém gosta de ser condenado a 90 anos de cadeia por um crime que não cometeu? Não existem provas no processo."

Estratégias

Durante o julgamento, os réus negaram ter agido no último andar do pavilhão. O advogado deles, Celso Vendramini, afirmou que os policiais sempre alegaram que estiveram no terceiro andar.

A informação foi contestada pelo Ministério Público (MP). "O que nós presenciamos hoje foi uma das maiores mentiras já contadas no júri brasileiro. Foi simplesmente surreal, inacreditável", disse o promotor Eduardo Olavo Campo Neto.

Os réus disseram ao juiz que a tropa foi acionada para desarmar eventuais bombas em barricadas deixadas pelos presos. Eles afirmaram ter dado tiros de advertência para o alto após entrar no pavimento e alegaram que foram acompanhados por outras tropas após saírem de lá.

A pedido da Promotoria, o júri inocentou os réus de duas mortes -o pedido foi baseado no fato de o preso Daniel Roque Pires ter sido morto por arma branca e de o detento Reginaldo da Silva ter sido assassinado em outro pavimento.

Além dos dez réus, três testemunhas prestaram depoimento (das 12 chamadas, apenas quatro apareceram e uma delas foi dispensada).

Tensão e problemas técnicos

O clima entre a defesa e a acusação foi tenso. Além da discussão sobre o andar onde o grupo atuou, as partes discordaram em diversos pontos. A animosidade ficou evidente na tréplica da defesa, quando houve intensa troca de insultos e acusações.

No fim da sua argumentação, o advogado Vendramini reiterou um pedido (feito diversas vezes nos últimos dias) aos jurados que optassem pela versão dos policiais militares. "Escolham o bem, que é a Polícia Militar de São Paulo, ou fiquem com o mal, que são os presos do Carandiru", disse para o júri. "Digam não ao crime organizado", completou.

Problemas técnicos, causados pela forte chuva que atingiu São Paulo na terça-feira (18), também chamaram a atenção neste julgamento. O segundo dia do júri foi marcado por três quedas de energia no Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste. Uma das falhas ocorreu em horário de almoço e duas interromperam temporariamente o julgamento. A região onde está localizado o Fórum foi uma das mais afetadas pela tempestade.

Julgamentos

A quarta etapa do julgamento ocorreu antes da conclusão da terceira. Iniciada em 18 de fevereiro, ela foi cancelada em seu segundo dia após o advogado Vendramini abandonar o plenário. O júri foi remarcado para 31 de março.

Outros dois grupos de policiais foram julgados. O primeiro júri ocorreu em abril de 2013. Os sete jurados condenaram 23 réus a 156 anos de prisão pela morte de 13 presos no primeiro andar do pavilhão. Três dos 26 réus foram absolvidos.

O júri absolveu Maurício Marchese Rodrigues, Eduardo Espósito e Roberto Alberto da Silva, como havia pedido o Ministério Público. O promotor Fernando Pereira da Silva também pediu que os jurados desconsiderassem duas das 15 vítimas. Segundo ele, esses detentos foram mortos por golpes de arma branca, o que pode significar que foram assassinados pelos próprios presos.

Em 3 de agosto do ano passado, outros 25 policiais e ex-policiais militares foram considerados culpados pela morte de 52 detentos, sendo sentenciados a 624 anos de prisão em regime inicialmente fechado.

À época do massacre na Casa de Detenção, na Zona Norte da capital, os réus integravam as Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), tropa de elite da Polícia Militar. Lá dentro, eles teriam efetuado mais de 300 disparos no segundo andar do Pavilhão Nove. Apesar de as condenações terem sido em regime fechado, todos recorrem em liberdade.

Antes desses júris, somente um acusado havia sido julgado desde o massacre: o comandante de operação, coronel Ubiratan Guimarães. Ele foi condenado em 2001 a 632 anos de prisão, em júri popular, por ter dirigido a ação.

Em 2006, o júri foi anulado pelos desembargadores do Tribunal de Justiça. Meses depois da absolvição, Ubiratan foi morto a tiros no apartamento onde morava, nos Jardins.

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