?Tanto que eu pedi a Deus... Por que fizeram isso com meu neto??. O lamento da aposentada Francisca Galdino de Souza, 83, na manhã de ontem, ocorreu após mais de duas horas de espera. Era realmente o seu neto, que ela criou como se fosse um filho, que estava morto dentro de uma das celas da Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL) Agente Luciano Andrade Lima, em Itaitinga, com 31 perfurações de ?cossoco? (arma artesanal fabricada no interior dos presídios com pedaços de ferro).
De acordo com a Polícia, eram aproximadamente seis horas da manhã quando os policiais militares e agentes - que fazem a segurança da unidade carcerária - ouviram os gritos oriundos do Pavilhão 1, mais precisamente da Rua F, cela 5. Lá, os agentes e policiais encontraram Márcio Roberto de Souza, 27, fatalmente ferido. Ele ainda foi levado para a enfermaria, mas não resistiu aos vários golpes desferidos em quase todo o seu corpo.
De acordo com a avó, o neto estava sendo ameaçado de morte há alguns dias, mas ela não soube informar os motivos. Na entrada da CPPL, a aposentada chorou muito e desabafou. ?Eu era muito apegada a ele. Criei como se fosse meu filho, mas ele não me ouvia?, disse. Ela conta que foi cedo para a visita com o objetivo de tentar evitar a morte do neto, mas não deu tempo. ?Cheguei aqui cedo, se eles tivessem me deixado entrar..??, lamentou.
Ameaças
O diretor-adjunto da unidade, Orlando Rodrigues, afirmou que não sabia das ameaças que o detento vinha sofrendo. ?Quando a gente sabe, transfere de pavilhão, de cela, ou até mesmo de unidade. Mas não fui informado de nada?, ressaltou.
A arma utilizada no homicídio não foi encontrada. Segundo Rodrigues, revistas periódicas são feitas naquela unidade com o objetivo de encontrar armas, drogas e celulares.
O diretor afirmou ainda, durante o dia de ontem, que uma vistoria seria realizada nas celas. Márcio estava preso há sete meses naquela unidade pelo crime de roubo, segundo a avó. Conforme informações da direção da CPPL, ele dividia a cela com mais dez presos. Sobre o motivo do assassinato, Rodrigues afirmou que alguns presos relataram que ele teria olhado para as mulheres de companheiros de cela na última visita e isso teria sido sua sentença de morte. ?Um delegado está vindo para tomar o depoimento dos presos e instaurar um inquérito policial para apurar o caso. Identificamos quem estava na cela com ele, e já temos um indicativo de quem teria cometido o crime?, destacou o diretor-adjunto.
Para a perita Sônia Silva, do Instituto de Criminalística (IC), o crime deve ter sido cometido por mais de uma pessoa, dada a grande quantidade de perfurações no corpo da vítima. Segundo Sônia Silva, somente nas costas foram 15 perfurações, além de duas na região da cabeça e três no pescoço. ? O laudo pode indicar ainda mais ferimentos. No exame no local do crime, temos quase certeza de que mais de uma pessoa participou do homicídio?, revelou a perita.
Ontem, dia de visita, o clima ficou tenso após a notícia da morte de Márcio. Antes de saber quem era a vítima, a apreensão de dezenas de mulheres no portão da CPPL. Depois da notícia, a angústia pelo medo de perder um dia de visita com o marido, filho ou namorado, pois a entrada só seria liberada depois da retirada do corpo. Após a saída dos peritos do Instituto de Criminalística (IC), a ordem da direção de liberar a entrada acalmou os ânimos.
A superlotação nas CPPLs vem trazendo problemas para a segurança dos próprios detentos. Este ano, outra ocorrência bastante semelhante já havia sido registrada, em Caucaia.
No dia 27 de fevereiro deste ano, o detento Hugo Pereira da Rocha, 24 anos, que estava recolhido na Casa de Privação Provisória de Liberdade (CPPL) de Caucaia, morreu, no Instituto Doutor José Frota - Unidade Central (IJF-Centro) - após ser ferido a golpes de ?cossoco? por outros presos que também estavam recolhidos àquela unidade prisional.
Disputa
O ataque contra o detento ocorreu no momento em os presos eram liberados para o banho de sol. Conforme a direção da unidade, a morte teve como causa a disputa entre grupos rivais.
A superlotação em cadeias e delegacias do Ceará vem sendo denunciada freqüentemente pelo Diário do Nordeste. No último dia 4, o jornal publicou entrevista com o secretário de Justiça, Marcos Cals, sobre o problema.