A dona da Daslu, Eliana Tranchesi, que esteve presa entra a quinta-feira (26) e a sexta-feira (27) em uma penitenciária feminina na Zona Norte de São Paulo, ficou no primeiro dia em uma cela comum na ala do presídio, para onde são levadas as detentas recém chegadas. A cela, de 9 m², tinha cama, chuveiro elétrico, vaso sanitário, pia e uma prateleira.
Eliana vestiu o uniforme obrigatório: camiseta branca e calça amarela. Almoçou arroz, feijão e frango e rezou com as presas. No dia seguinte, foi levada para a enfermaria da penitenciária. Lá, recebeu a visita de dois enfermeiros. Um coletou uma amostra do sangue dela e o outro aplicou uma injeção com o medicamento que a empresária tem de tomar diariamente.
Há quase três anos, Eliana luta contra um câncer de pulmão. Nos últimos meses, a doença se espalhou, atingindo também a coluna. ?Ela está em pleno tratamento quimioterápico?, contou a advogada Joyce Roysen.
Na sexta-feira, graças a um habeas corpus, a empresária saiu da cadeia. Ela e os outros seis condenados vão recorrer em liberdade.
Mas, segundo a Justiça, a dona da Daslu, comanda o mais luxuoso empreendimento de moda do Brasil e também um esquema internacional de fraude e sonegação. Nas palavras da juíza Maria Isabel do Prado, da 2ª Vara Criminal de Guarulhos, na Grande São Paulo, ?um gigantesco e bilionário programa delinquencial?.
Quadrilha
A sentença de mais de 500 páginas contra a empresária, divulgada na quinta-feira, fala em: ?A cobiça em busca de acumulação de riqueza proveniente de meios ilícitos?. A pena surpreendeu pelo rigor: 94 anos e meio de prisão para Eliana Tranchesi e também para seu irmão e sócio, Antonio Carlos Piva de Albuquerque. Outros cinco acusados também foram condenados.
A história de Tranchesi lembra a da socialite, empresária e apresentadora de TV americana Martha Stewart, condenada em 2004 por uso de informação privilegiada no mercado de ações. Ela ficou cinco meses na cadeia e cinco meses em prisão domiciliar. No caso brasileiro, os crimes listados na sentença são: importação fraudulenta, falsificação de documentos e formação de quadrilha.
?A juíza entendeu, inclusive pela existência de uma organização criminosa, que é mais do que uma quadrilha?, afirmou o procurador da República Matheus Baraldi Magnani.
Na decisão da juíza da 2ª Vara Criminal de Guarulhos, Eliana aparece ao lado do irmão como "chefe da organização criminosa". ?Nós temos absoluta convicção de que se trata de uma sentença injusta?, afirmou a advogada de defesa Joyce Roysen.
Esquema fraudulento
A sentença descreve como funcionava o esquema, descoberto pela Operação Narciso, da Polícia Federal, em 2005. A compra de mercadorias no exterior era feita por empresas importadoras de fachada.
?Essas empresas orbitavam ao redor da Daslu. Elas existiam justamente para retirar o nome dos proprietários da butique Daslu dos holofotes?, apontou o procurador da República Matheus Baraldi Magnani.
Chegando ao Brasil, as notas fiscais verdadeiras eram substituídas por outras, falsas, com valores muito menores. ?Começavam, então, a liberação das mercadorias na alfândega?, acrescentou o procurador.
Em seguida, os impostos eram pagos sobre o preço adulterado, bem abaixo do original. A Daslu, então, comprava as peças por um valor muito baixo. ?Nós conseguimos um mar de provas?, disse Magnani.
O esquema funcionava da seguinte forma: uma nota fiscal fraudulenta, de maio de 2003, diz que uma bolsa 100% couro de cobra, de uma sofisticada marca italiana, custava na época US$ 9,50, o equivalente atualmente a R$ 21. Ao verificar na página da loja italiana na internet, uma bolsa do mesmo material é vendida lá fora, em valores atuais, por R$ 3,9 mil (R$ 8.938).
A investigação também apontou que outra famosa marca italiana vendia na época bolsas por cerca de US$ 300, mas quando esse tipo de mercadoria chegava ao Brasil era declarado por um décimo do valor original. Sapatos de couro legítimo da mesma grife, que atualmente são vendidos no site estrangeiro por US$ 595 (R$ 1,3 mil), apareciam na nota fiscal como se tivessem custado apenas US$ 4, ou seja, R$ 9 em valores de hoje. A defesa alega que a Daslu não comprava diretamente no exterior e que a responsabilidade era das importadoras.
?O que fizemos? Contatamos diretamente as empresas norte-americanas que vendiam para a Daslu e perguntamos diretamente a elas: ?Para quem é que vocês vendem??. Eles disseram: ?Vendemos diretamente para a Daslu? e mandaram cópias dessas faturas?, contou o procurador.
Sem intenção
Para a advogada de Tranchesi, a cliente agiu sem intenção. ?Ela pode ter, em algum momento, talvez não agido ou ter deixado de recolher, não intencionalmente algum tributo?, alegou Joyce Roysen.
Somando impostos, multas e juros, a Justiça diz que a Daslu deve aos cofres públicos R$ 1 bilhão. Os representantes da empresa contestam esse valor, mas afirmam que já começaram a pagar as dívidas.
?Boa parte dessas multas foram parceladas. Algumas delas ainda estão sendo objeto de recurso administrativo?, disse Roysen.
Mas para o procurador Magnani, após a Operação Narciso, a Daslu teria permanecido cometendo o crime. ?Uma importação fraudulenta, feita nos mesmos moldes, foi descoberta em Santa Catarina. E foi justamente um dos argumentos que justificaram a prisão?, afirmou referindo-se a decisão da justiça de Guarulhos.