Para qualquer cliente que entrasse na concessionária Caoa, da Hyundai, na Avenida das Américas, Márcio Sábio Pires tinha a desenvoltura e a aparência de um vendedor de carros bem sucedido. Sempre de terno e gravata, ele conquistava os clientes pela lábia e se mostrava sempre solícito com os demais vendedores. Por trás da simpatia, entretanto, se escondia um farsante: segundo um inquérito da 16ª DP (Barra), Márcio nunca foi vendedor da loja. Com o disfarce, ele é acusado de comandar um esquema de golpes que enganou, em seis meses, 24 clientes e chegou a lucrar mais de R$ 3 milhões.
O inquérito foi aberto em janeiro, quando um cliente compareceu à delegacia e afirmou que o dinheiro que havia depositado para a compra do veículo havia sumido. Segundo seu relato, um funcionário da loja ofereceu uma oferta irrecusável: um frotista de uma empresa de locação de veículos, chamado Márcio Sábio Pires, trabalhava junto à loja e conseguia descontos nos preços. Por intermédio dele, o cliente poderia comprar um carro 0Km com 30% de desconto. O funcionário ainda passou o número da conta de Márcio para depósito do dinheiro. Vinte dias depois, quando passou na loja para pegar o carro que já havia pago, o cliente foi informado que Márcio havia sumido com dinheiro. Com outras 12 vítimas, o acusado de estelionato ofereceu o esquema pessoalmente. Algumas vezes, inclusive, Márcio se dizia dono do estabelecimento.
O relatório do inquérito, entretanto, revela que Márcio não agia sozinho: um gerente, sete vendedores e um diretor da concessionária também são investigados por participação no esquema. De acordo com o depoimento de um ex-vendedor da loja, o acusado era ?íntimo? dos demais funcionários. Natural de Campinas, em São Paulo, ele chegou ao Rio no ano passado e começou a trabalhar na loja a convite de um amigo conterrâneo, que trabalha como avaliador de veículos usados na loja.
Em São Paulo, funcionários eram pagos
As investigações da 16ª DP mostraram que Márcio Sábio Pires não enganou só clientes cariocas. No inquérito que investiga a série de golpes que praticou, também estão anexados uma pilha de cerca de 30 registros de ocorrência contra o estelionatário em delegacias de São Paulo. Lá, ele deu depoimento à polícia e confessou que dividia os lucros dos golpes com os demais funcionários das lojas.
No Rio, agentes ainda tentam comprovar a ligação entre Márcio e outros funcionários, que teriam papel fundamental na farsa. O avaliador de veículos usados, por exemplo, avaliava os veículos da vítima num valor sempre superior ao valor de mercado, para que a proposta fosse ainda mais tentadora. Um dono de uma agência de veículos, para onde alguns carros foram desviados após a ?transação?, também é suspeito de participação.
As investigações, entretanto, se arrastam há quatro meses por conta da burocracia da Justiça: a 16ª DP aguarda, desde junho, autorização judicial para quebrar o sigilo telefônico do acusado e de possíveis cúmplices.
Desde janeiro, Márcio Sábio Pires não aparece na concessionária. Ele não compareceu à delegacia para depor e, segundo agentes da 16ª DP, que fazem seu monitoramento, não está mais no Rio. Nos processos a que responde em São Paulo, não foi condenado.