Um homem com problemas mentais, que não cometeu nenhum crime, ficou mais de 30 anos preso no Complexo Médico de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba. Em 1981, Francisco Celestino, então com 23 anos, foi detido, acusado de furto. Ele foi considerado inocente, mas, ainda assim, na época, o juiz determinou sua internação no manicômio judiciário por entender que Celestino representava um ?perigo para a comunidade?. Do complexo, Celestino saiu apenas uma vez, em 2002. Passou por dois hospitais psiquiátricos e, em 2005, foi acusado de ter agredido outro paciente. Acabou voltando para o Complexo Médico, onde permanece até hoje. Considerado um paciente ?tranquilo e pacato?, ele perdeu todo contato com a família.
? Ele nunca deveria estar preso. Não cometeu crime nenhum. Já naquela época deveria ficar junto com a família, recebendo acompanhamento médico. Ou, na falta da família, numa comunidade terapêutica ou clínica, algum lugar em que pudesse receber atendimento, sem perder o vínculo com a sociedade ? diz o juiz Eduardo Lino Bueno Fagundes Junior, da Vara de Execuções Penais (VEP) de Curitiba.
Celestino é um entre 108 detentos do Complexo que não tinham mais de estar presos. Desde o começo de maio, eles estão tendo a situação regularizada por meio de um mutirão organizado pela VEP, com o apoio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
? São pessoas que cometeram pequenos furtos, roubaram um chocolate, pegaram uma blusa, gritaram na rua e foram presas por desacato. Elas foram esquecidas ali e encarceradas. Muitos desses pacientes perguntam se vamos levá-los para um lugar com sol ? diz Fagundes Junior.
Esse esquecimento é justamente o oposto do que prega a legislação atual. O Código Penal prevê que pessoas com problemas mentais que tenham cometido delitos devem ser submetidas a tratamento ambulatorial ou internados, em caso de crimes graves. Depois do terceiro ano de reclusão, elas precisam ser reavaliadas por médicos anualmente.
O juiz lembra que, além do esquecimento, a detenção no complexo mistura pacientes que não oferecem riscos com detentos donos de um histórico maior de agressividade. No Complexo de Pinhais, por exemplo, está preso Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, o Cadu, que matou o cartunista Glauco e seu filho Raoni, em São Paulo, e chegou a disparar contra policiais na fuga.
Dos 108 pacientes que deveriam estar livres, 46 foram entregues às famílias e 12 encaminhados para instituições terapêuticas. O restante, sem laços familiares, aguarda acolhimento pela secretaria estadual de Saúde.
O CNJ pretende intensificar a fiscalização em manicômios judiciais de todo o Brasil. Dados do Ministério da Justiça indicam 3,2 mil detentos em regime de internação. Não são números seguros, já que os estados não sabem quem e quantos são os detentos nessa situação. Pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) finalizam um censo de estabelecimentos como o Complexo de Pinhais. O estudo, em parceria, com o Ministério da Justiça, alertará para o problema.
Por enquanto, sabe-se que a situação encontrada em Curitiba não é única. Em mutirão do CNJ em 2011, no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Salvador, foi revelado que 88 dos 156 internos aguardavam laudo de insanidade mental, condição para a internação, e que deveria ser expedido em até 135 dias. Na Bahia, o CNJ encontrou Derivaldo Bispo Santos, de 60 anos. Em 1977, ele foi internado por ter cometido lesão corporal ? crime cuja pena máxima é de 12 anos. O próximo mutirão deve acontecer neste mês, no Rio.
? O mutirão tem uma importância fundamental na realização da Justiça. A maioria das pessoas internadas nos hospitais psiquiátricos é extremamente pobre e, assim como os presos comuns, são tratados de forma omissa pelo Estado. É preciso haver residências terapêuticas para acolher essa gente que muitas vezes não pode mais voltar pra casa, mas também não merece a prisão ? disse, em entrevista ao site do CNJ, o juiz Luciano Losekann, coordenador dos mutirões carcerários e de medidas de segurança do Conselho.