Antônio Aglaílson Monteiro, 16 anos. Tratava-se de um adolescente que estava ´em confronto com a lei´, como costumam dizer os especialistas. Na madrugada do último domingo (21), precisamente a 1h14, ele tombou morto num confronto armado com a Polícia, em plena Avenida Perimetral, no chamado ´Balão do Mondubim´. Ao lado do seu corpo havia outro cadáver. Era o do também adolescente Jéfferson Carneiro de Miranda, da mesma idade. Seu comparsa.
Aglaílson seria ´apenas´ mais um nome nos registros da violência em Fortaleza, não fosse por um detalhe: ele foi a milésima pessoa assassinada, este ano, na Capital cearense.
Os registros fazem parte de um levantamento estatístico próprio, realizado pelo Diário do Nordeste diariamente, uma contagem que não pára, assim como o avanço da criminalidade em Fortaleza e sua Região Metropolitana.
Números
Do dia 1º de janeiro até a madrugada do dia 21 passado, 999 pessoas haviam sido mortas. Aglaílson é o número mil (1.000) nesta triste contagem. As estatísticas apontam uma média de 14 homicídios a cada fim de semana na Capital e RMF. Em 2007, foram 1.116 homicídios na Grande Fortaleza, conforme dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS). Este ano, os números poderão se igualar ou avançarem pouca coisa.
Dentre as várias revelações que a estatística pode proporcionar, uma se reveste de extrema gravidade: a constatação da grande quantidade de pessoas executadas por armas de fogo. Entre zero hora do Réveillon de 2007/2008 até a morte do garoto Aglaílson, foram, nada menos, que 759 assassinadas a bala, cerca de 76 por cento dos casos. O primeiro crime de homicídio do ano na Capital ocorreu às 2h07, na Rua do Prado, no bairro Vila Velha II (Zona Oeste da cidade). A vítima era o jovem David Alves Sobreira, também foi executado a tiros. Rixa, vingança pessoal, casos passionais, confronto de gangues, rivalidade entre torcedores, brigas no trânsito, discussões em meio a bebedeiras e assaltos (latrocínios) são os motivadores de tanta violência.
Porém, um fato mais grave tem sido o causador de tantos homicídios nas ruas de Fortaleza: as execuções sumárias decorrente de dívidas de drogas. São os chamados ´acertos de contas´, crimes praticados por pessoas que atuam a serviço do tráfico. A maioria destas execuções tem como vítimas jovens e adolescentes, usuários de drogas que estavam ´em débito´ com os traficantes que dominam territórios do crack, cocaína e maconha na periferia de Fortaleza e mesmo nos bairros considerados nobres. São as ´execuções extrajudiciais´, como definem os juristas.
Mortes que, quase sempre, ficam sem esclarecimento devido ao medo das pessoas em testemunhar contra os criminosos e seus mandantes. Assim, eles permanecem impunes e continuam a matar.
No caso do jovem Aglaílson, citado no começo da matéria (a vítima número 1.000), sua história envolve o caso do roubo de um veículo. Ele e os demais jovens que estavam no automóvel roubado trocaram tiros com a Polícia. O resultado foi trágico: dois adolescentes mortos e os demais apreendidos.
Assim como no caso de Aglaílson, as autoridades também têm constatado outro fato preocupante. Cada vez mais os delinqüentes enfrentam a Polícia durante os cercos e perseguições nas ruas.
Portando armas de grosso calibre, os criminosos não se intimidam mais diante da chegada da Polícia no local do crime que estão praticando. Desse modo, entre as vítimas da violência estão também vários policiais a serviço da comunidade. Só este ano, foram dez policiais executados.
O último deles foi o soldado PM José Valmir Pereira, que era destacado na Força Tática de Apoio (FTA) da 2ª Companhia do 5º BPM (Messejana). Na tarde do último dia 19, sua patrulha saiu em perseguição a assaltantes. Houve troca de tiros. Atingido com um tiro no abdome, o PM acabou morrendo.
DROGAS X VIOLÊNCIA
Tráfico motivou diversos assassinatos
O tráfico de drogas figurou como um dos principais personagens na história da violência urbana, em Fortaleza, este ano. Em alguns bairros, o problema vem se tornando cada vez mais sério. O Conjunto São Miguel, em Messejana, é o maior exemplo. Durante 2008, inúmeros conflitos entre gangues e traficantes rivais resultaram em mortes. As cobranças de dívidas de drogas e disputa por espaço de tráfico foram as razões mais comuns entre os crimes naquela área da Capital.
Em reportagem especial publicada no dia 25 de setembro último, o Diário do Nordeste enumerava a cruel realidade do Conjunto São Miguel. Naquele dia, 17 mortes já tinham sido registradas no bairro, todas decorrentes da ´guerra do tráfico´. Na manhã do dia 24 de setembro, por volta das 10h30, três homens, que trafegavam num veículo Astra preto, chegaram ao cruzamento da Avenida Isabel Alencar com a Rua Ozélia Pontes. Um deles desceu do carro e fez vários disparos.
O jovem Antônio Nielsen Silva, o ´Niel´, 25, usuário de drogas, foi atingido no peito e nas nádegas. Ele ainda tentou escapar, mais tombou sem vida. Já Marcos César da Silva Tavares, 26, que estava na companhia de ´Niel´ e foi apontado por policiais como traficante e usuário de drogas, sofreu um tiro no abdome e foi levado para o Instituto Doutor José Frota (IJF-Centro). O ciclista Geraldo Ferreira Barbosa, 46, foi a outra vítima da seqüência de balas no meio da rua. Ele foi atingido com um tiro na perna esquerda ao passar na Avenida Isabel M. de Alencar no exato momento em que os dois jovens estavam sendo alvejados.
A cena mais comovente: o desespero da mãe do jovem assassinado, Maria de Fátima da Silva, 52. Ao ver o filho morto, jogou-se sobre o corpo dele, abraçando-o com força e gritando por justiça. ?Façam alguma coisa por nós, mães do São Miguel. Estamos perdendo nossos filhos.? Niel era o caçula.
Embates constantes entre gangueiros traficantes a qualquer hora do dia já resultaram numa série de homicídios na comunidade, onde é elevado o número de pessoas desempregadas e de crianças e jovens fora da escola. Assim, fica aberto o caminho para os traficantes recrutarem clientes de drogas e gangueiros.
Se não bastasse a circulação fácil de entorpecentes, armas de grosso calibre também são abundantes no Conjunto São Miguel. Diversas já foram apreendidas pela Polícia em poder de bandidos. Contudo, as ´perdidas´ são logo repostas pelas gangues.
Moradores se sentem sitiados, prisioneiros em suas casas. Sem dizer os nomes, por medo de represálias, afirmam que estão perdendo o direito de ir e vir ou simplesmente ficar na calçada de casa. A qualquer hora pode ocorrer tiroteios entre os criminosos por mais espaço para o tráfico de drogas ali. Muitos sabem onde os bandidos escondem armas, mas preferem calar. O silêncio gera a impunidade na comunidade.