"Não tem como deixar Mizael preso. Primeiro porque indícios não são provas. Indícios são indícios. Segundo que eu sempre colaborei com a polícia e a Justiça para tudo. E estou aqui colaborando?.
Foi dessa maneira, com a primeira frase dita na terceira pessoa, que Mizael Bispo de Souza, acusado de matar a ex-namorada Mércia Nakashima, comentou, na tarde desta sexta-feira (6), a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que revogou na quinta-feira (5) a prisão preventiva contra ele.
O advogado e policial militar aposentado, que ficou foragido da polícia por três dias, recebeu a reportagem do G1 na sua residência, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Durante meia hora, Mizael contou que estava no litoral, pescando com amigos em alto-mar, quando soube do decreto da prisão. Ele disse que voltou para Guarulhos e ficou escondido até que sua defesa entrasse com um habeas corpus no TJ.
Ligação
Mizael afirmou ainda que começou a desconfiar da decretação da prisão quando sua filha de 9 anos telefonou. ?Se a minha filha não me liga desesperada, provavelmente eu ia acabar sendo preso de surpresa, sem saber de um decreto de prisão.?
O advogado, que já chegou a dizer ao G1 que se apresentaria no caso de uma nova decretação de prisão, explicou porquê não cumpriu o que havia dito.
?Eu conversei com meus advogados [Ivon Ribeiro e Samir Haddad Júnior] e falaram: ?não vamos apresentar você. Vamos aguardar os recursos porque nós estamos confiantes". Aí passei a analisar também e falei: ?realmente não vejo nenhum fundamento nesse decreto". E foi por aí que resolvi não me apresentar. Voltei para Guarulhos e fiquei aqui ?, disse Mizael. ?Porque eu fui, de uma certa forma, passear [no litoral]. Estava totalmente despreparado. Você viu quando cheguei aqui [na sua casa]. Eu cheguei com mala? Não cheguei.?
Liminar
Na concessão da liminar que garantiu a liberdade provisória de Mizael, a desembargadora Angélica de Almeida, do TJ, considerou que o advogado não tem antecedentes criminais, é réu primário, sempre compareceu à polícia quando chamado e não atrapalhou a investigação. Em seu despacho, ela também entendeu que o juiz que determinou a preventiva do acusado não levou em conta a ?presunção de inocência?.
Questionado sobre onde esteve no litoral e onde se escondeu, Mizael não quis revelar os locais.
Afirmou que voltou para Guarulhos como se estivesse voltando de uma viagem, mas achou que pudesse ser pego pela polícia a qualquer momento. ?Até me preparei, me vesti. Penteei o cabelo. Sou muito vaidoso. Se me pegassem na viagem, eu ia me entregar", contou. "Durante o trajeto de volta que durou três horas, vi algumas viaturas policiais, mas não fui parado."
?Estava [escondido] na casa de uma pessoa que não é muito próxima, mas uma pessoa que sabe, conhece a minha dignidade, a minha inocência e tem certeza da minha inocência porque eu não matei ninguém. Sou inocente, meu amigo?, afirmou ele, que diz não ter usado disfarce. ?Na rua não saí não. Fiquei numa casa. Mas fiquei menos de 24 horas porque antes estava em alto-mar acompanhando amigos numa pescaria.?
Enquanto esteve escondido, ele conta que releu um dos livros do escritor e jurista baiano Rui Barbosa (1849 -1923). ?Me inspiro nele?, disse Mizael, que também nasceu no estado da Bahia e veio a São Paulo com 19 anos de idade.
Comentou ainda que chegou a trabalhar de dentro da casa onde estava escondido. "Protocolei ações no fórum trabalhista usando recursos eletrônicos", afirmou Mizael.
No caso de nova prisão
Indagado se voltará a se esconder no caso de uma nova decretação de prisão, Mizael afirmou agora que ?se decretar uma prisão fundamentada e legal, você pode ter certeza que vou me apresentar ou no juiz ou direto no presídio. Se eu devesse nesse caso já tinha me apresentado faz tempo. Já estaria pagando pelo que fiz?.
"Se eu tivesse que me apresentar eu não teria me apresentado na policia civil, que eu sei que os caras querem me exibir como troféu. Me apresentaria no quartel da Polícia Militar", disse Mizael sobre o fato de, numa eventual prisão, ter de cumpri-la no presídio Romão Gomes da PM, na Zona Norte da capital, pelo fato de ser policial militar reformado.
?Eu não sou psicopata, gente. Não tenho antecedentes criminais. A minha família tem mais de 300 componentes, mas ninguém tem passagem criminal?, continuou Mizael.
Sobre o julgamento do mérito do habeas corpus, Mizael afirmou que confia em Deus. ?Minha filha ajoelhou bastante e pediu a Deus para iluminar a desembargadora e também orei muito. E tenho certeza que a Justiça está sendo feita e vai se prevalecer a Justiça. Eu confio na Justiça.?
Investigação policial
?Se aparecer alguém aí dizendo: ?fui eu que matei a Mércia, eles [policiais e promotor] vão falar: ?não. Quem matou foi Mizael?. Centralizaram as investigações só em cima de mim. Não investigaram nem a vida pregressa da moça. Nem isso. Só eu?, disse Mizael, que pretende arrolar 25 testemunhas em sua defesa, entre as quais o delegado Antonio de Olim, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que o indiciou juntamente com o vigia Evandro Bezerra da Silva pelo crime.
O acusado também falou em contratar peritos particulares. Um dos itens da investigação que pretende contestar é a presença de terra em seu sapato. Segundo a polícia, o material é o compatível com amostra coletada no local onde foi achado o corpo de Mércia.
?A terra encontrada no sapato não é da represa?, disse Mizael, que afirmou se sentir preparado para enfrentar um eventual júri. ?Mas antes meus advogados vão alegar que o caso tem de ser acompanhado pelo Ministério Público e Justiça de Nazaré Paulista, onde a vítima morreu.?
Fórum
Mizael esteve no fim da tarde desta sexta no Fórum de Guarulhos, para assinar um documento chamado termo de comparecimento. Segundo o advogado dele, Samir Haddad Junior, a assinatura deste termo é um compromisso de praxe toda vez que alguém é liberado pela Justiça.
O advogado afirmou que nos próximos dias vai cuidar dos procedimentos legais para que o processo no qual Mizael é réu passe à responsabilidade do Fórum de Nazaré Paulista, onde o corpo de Mércia foi encontrado. De acordo com ele, o pedido de transferência não ocorre por preferência pessoal, mas porque a lei assim determina.
"Eu tenho munição. E não posso contar isso. Muita coisa não posso contar. Essas são minhas provas secretas, entendeu?", disse o ex-namorado de Mércia sobre a possibilidade de ir para um eventual julgamento. "Estarei preparado."
O crime
Depois de desaparecer em 23 de maio da casa dos avós em Guarulhos, Mércia foi achada morta em 11 de junho na represa em Nazaré Paulista. O veículo onde ela estava havia sido localizado submerso um dia antes. Segundo a perícia, a advogada foi agredida, baleada, desmaiou e morreu afogada dentro do próprio carro no mesmo dia em que sumiu. Ela não sabia nadar.
Um pescador disse à polícia ter visto o automóvel dela afundar e um homem não identificado sair do veículo. Além disso, afirmou ter escutado gritos de mulher.
Para o DHPP, Mizael matou a ex por ciúmes e o vigilante o ajudou na fuga. Evandro, que chegou a acusar o patrão e dizer que o ajudou a fugir, voltou atrás e falou que mentiu e confessou um crime do qual não participou porque foi torturado.
Ainda segundo o relatório do delegado Antônio de Olim, do DHPP, Mizael e Evandro trocaram diversos telefonemas combinando o crime. A polícia chegou a essa informação a partir da quebra dos sigilos telefônicos dos dois. O rastreador do carro do ex também mostrou que ele esteve próximo ao local onde Mércia foi achada.
Mizael e Evandro negam o crime e dizem ser inocentes de todas as acusações. Dos dois, o vigia continua preso preventivamente no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo. Seu advogado, José Carlos da Silva, entrou nesta sexta com um habeas corpus contra a decretação da prisão de seu cliente.