Presos denunciam por cartas torturas em presídio no DF: “Estão nos matando”

Textos foram entregues a parentes e repassados para advogados e também para comissões de direitos humanos.

Presos denunciam por cartas torturas em presídio no DF: "Estão nos matando" | Reprodução
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Um grupo de presos do Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, escreveu cartas para denunciar agressões, punição coletiva e até tortura dentro do presídio. Os textos foram entregues a parentes e repassados para advogados e também para duas comissões de direitos humanos do Distrito Federal. 

O g1 teve acesso às cartas escritas por detentos da Penitenciária do Distrito Federal I (PDF-I) – onde ficam os condenados – e por detentos do Centro de Detenção Provisória (CDP-I), que abriga os que aguardam julgamento ou podem recorrer. Eles também dizem que não têm acesso a itens básicos de higiene e que há "corte de água por várias horas e cortes de energia como castigo".

"Socorro! Socorro! Eles estão nos matando aos poucos, espancando, torturando, deixando a gente com fome, com sede. Peço isto pois não estamos aguentando mais tanta falta de humanidade", diz uma das cartas.

Circuito de segurança flagra policiais penais agredindo detento na PDFI — Foto: Reprodução

O g1 procurou o Sindicato dos Policiais Penais do DF para comentar o assunto e a Secretaria de Administração Penitenciária. No entanto, até a publicação desta reportagem, não houve resposta.

Espancamento e tortura

Em uma das cartas, de 19 páginas, os presos que ficam em alas do Centro de Detenção Provisória destinadas a internos que têm nível superior relatam socos, chutes e chineladas por parte dos policiais penais.

"Por diversas vezes nos deixam no sol quente, só de cueca e com a bunda no chão, sendo maltratados e hostilizados [...]", diz trecho da carta.

Presos da Penitenciária da Papuda escrevem cartas para denunciar tortura e espancamentos — Foto: Reprodução 

Segundo o grupo que escreveu as cartas, os agentes "utilizam da fé pública que têm para cometer todos os tipos de abusos e ilegalidades". Entre as denúncias relatadas pelos internos estão:

  • Apanhar com a própria sandália
  • Ficar de joelhos para ser golpeado
  • Tortura
  • Tapas, socos e chutes
  • Espancamento
  • Compartilhamento obrigatório de máquina de cortar cabelo entre todos
  • Submissão à ilegalidade
  • Detentos serem obrigados a cortar as unhas dos pés de outros detentos com os dentes
  • Punição coletiva

Em junho, o g1 exibiu um vídeo que mostra um policial penal atirando com bala de borracha dentro de uma cela, depois de uma briga entre detentos. Os servidores também enforcaram os internos e deram chutes e pisões.

Depois que as imagens foram divulgadas, o Ministério Público do DF decidiu denunciar quatro envolvidos, pelos crimes de lesão corporal e violência arbitrária.

'Castigo e ilegalidade'

Uma das cartas, escrita por presos do CDP-1, foi entregue à advogada Kelly Moreira. Ela disse à reportagem que protocolou a petição em órgãos competentes, entre eles a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF (CLDF) e do Ministério Público.

A Comissão de Direitos Humanos da CLDF informou, na quinta-feira (7), que "vai dar encaminhamento à denúncia".

Complexo Penitenciário da Papuda, no DF — Foto: TV Globo / Reprodução 

A advogada que protocolou os pedidos disse que "aceitou a missão [de representar os detentos] porque não considera justo duas punições aos presos, uma de privação e outra de castigo e ilegalidade".

"Não se trata apenas da defesa dos detentos, mas de assegurar a eles os direitos que lhes são garantidos pela Constituição Federal", diz Kelly Moreira. 

O presidente do Centro Brasiliense de Defesa dos Direitos Humanos (Centrodh), Michel Platini, disse que recebeu a petição dos presos e que vai encaminhar uma denúncia-crime ao Ministério Público e à Vara de Execuções Penais. "É inaceitável que essas denúncias perdurem", diz ele. 

"A pena não pode passar da privação da liberdade. Quando ela passa disso e alcança outros atos criminosos como a própria tortura, o Estado se coloca em uma posição de barbárie. É inaceitável que isso esteja acontecendo na capital da República", aponta Michel Platini. 

Visitas restritas

Parentes de presos também conversaram com a reportagem. A irmã de um homem que cumpre pena no PDF-1, que preferiu não se identificar, por questões de segurança, disse que as violações de direitos têm se intensificado desde o início da pandemia da Covid-19, quando as visitas aos presídios foram suspensas ou restritas.

Em maio, a Vara de Execuções Penais do Distrito Federal (VEP) autorizou a retomada das visitas presenciais no Complexo Penitenciário da Papuda. A entrada nos presídios de pessoas previamente cadastrados ou autorizadas por decisão da Justiça estão liberadas. Entretanto, há uma série de normas que devem ser seguidas, como o distanciamento obrigatório de, no mínimo, dois metros entre preso e visitante.

"Aproveitam que não está tendo visita direito na Papuda e fazem tudo que têm direito", disse a mulher, em referência a supostas agressões e tortura cometidas por policiais penais contra presos. 

"Eles apanham, tão ficando sem alimentos, policiais penais cortam a água, e os presos passam dias sem tomar banho e sem luz [energia elétrica]. Os banhos de sol são reduzidos, eles recebem comida estragada, azeda. É difícil para um parente se deparar com uma situação dessa." 

O g1 também entrou em contato com o Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional (Nupri/MPDFT). Mas não recebeu resposta aos questionamentos feitos pela reportagem.

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