Tráfico rende R$ 80 mil mensais no pior presídio do país

A superlotação do Presídio Central é tão grave que não são agentes carcerários, mas sim policiais militares, os responsáveis pela administração.

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O comércio de drogas dentro do Presídio Central de Porto Alegre, o mais superlotado do Brasil e apontado como o pior do País pela CPI do Sistema Carcerário em 2008, movimenta semanalmente entre R$ 20 mil e R$ 30 mil na maioria das 27 galerias que estão em funcionamento, segundo informações da Promotoria de Fiscalização dos Presídios do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Por mês, o faturamento dos presos com o tráfico dentro da penitenciária ultrapassa os R$ 80 mil.

De acordo com o Ministério Público (MP), existe uma organização implantada pelas diversas facções nos presídios, segundo a qual os chefes dos grupos atuam como verdadeiros empresários. "Temos informações de controle de tráfico feito pela rede bancária. O preso consome crack dentro dos presídios, e a família recebe uma ligação dizendo quando foi gasto e faz o depósito", afirma o promotor responsável pela fiscalização dos presídios da região metropolitana de Porto Alegre, Gilmar Bortolotto, que atua há 13 anos na função.

A superlotação do Presídio Central é tão grave que não são agentes carcerários, mas sim policiais militares, os responsáveis pela administração e segurança do local. O Central está interditado há 15 anos (significando que nenhum novo condenado deve ser enviado para lá), e algumas das galerias estão parcialmente ou totalmente interditadas pelo excesso de presos e pela precariedade. Com capacidade de receber pouco mais de 1,7 mil presos, hoje abriga mais de 5 mil.

Em uma das galerias interditadas, conhecida como "masmorra", os presos circulam livremente pelas celas sem grades, com capacidade para oito pessoas, mas que chegavam a abrigar 40. "Isso dava menos de um metro quadrado para cada preso. Lá dentro existem armas, drogas, celulares e até granadas", afirma Gilmar Bortolotto. A reportagem do Terra, em visita ao Presídio Central no mês de outubro, comprovou in loco o material apreendido pela polícia nas celas.

O Terra esteve em uma das galerias onde hoje estão abrigados 264 detentos, mas que, antes da interdição, abrigava mais de 400. Na estrutura do prédio, quase em ruínas, as goteiras e a sujeira são problemas evidentes, mas dentro das galerias, os presos se sentem em casa com suas geladeiras, freezers, liquidificadores e ao menos três televisores em cada uma das 42 celas, sendo que algumas tinham até estoque de comida. Segundo a polícia, tudo está dentro do que é autorizado pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe).

Atualmente, o Central abriga apenas presos provisórios, e recebe diariamente entre 50 e 60 pessoas. No dia da visita da reportagem, da 0h até às 9h, 14 pesos haviam sido levados ao local. Além disso, todos os dias 200 presidiários entram e saem da casa prisional para participarem de audiências judiciais. Se o Presídio Central fosse uma cidade, seria a 218º mais populoso do Estado do Rio Grande do Sul, que tem 496 municípios.

A responsabilidade da cozinha

Para atender este pequeno município, a cozinha, projetada para atender 1,7 mil presos, trabalha 24 horas por dia. Quarenta presos se revezam em três turnos para produzir o suficiente para alimentar a população carcerária que consome diariamente 15 mil pães, 300 kg de carne e 700kg de feijão. Segundo um dos responsáveis pela alimentação no Central, Eduardo Pereira, 40 anos, preso por tráfico de drogas, o segredo da boa comida está nas medidas. "É uma grande responsabilidade. Eu garanto o arroz soltinho, porque senão, o pessoal me pega na rua quando eu for para o semiaberto", brinca.

Pedaços do presídio viram armas

A criatividade e a engenharia dos presos impressionam até os policiais mais calejados pela realidade do Central. As armas e utensílios apreendidos durante as revistas são produzidos com pedaços do presídio. São facas feitas com ferro arrancado dos antigos canos expostos nas paredes cheias de infiltração; revólveres que usam munição real, fabricados com pedaços de madeira e metal; granadas manufaturadas com lâmpadas recheadas de pólvora e estilhaços cobertas com durepoxi, além de pseudo-eltrodomésticos que fazem parte da aparelhagem de qualquer presidiário abrigado em uma casa prisional superlotada: fogões feitos de tijolos e resistências elétricas e carregadores de celulares feitos a partir de rádio-relógios.

Em um episódio no mínimo curioso, pombos foram pegos com celulares amarados no corpo. "Ainda não descobrimos de quem foi essa ideia genial", diz o diretor do presídio, tenente coronel Leandro Santiago, que antes de administrar o Central, cuidava do departamento de educação física da Brigada Militar.

Obras

O Ministério Público diz que tem cobrado das autoridades, até na Justiça, as melhorias no local. As obras da cozinha nova e do sistema esgoto estavam paradas no dia da visita feita pela reportagem. De acordo com o MP, que acompanhou os trabalhos, as intervenções começam, mas não são concluídas.

A secretaria de Obras do Estado diz que os trabalhos não estão parados, mas sim em processo de aditivo de prazo, porque deveriam ter sido concluídas em julho e necessitaram de ampliação de prazo para o fim das obras, que deveria ocorrer em 61 dias, se somados os dias necessários para os trâmites burocráticos. O valor da obra é de R$ 932.571,32.

A Susepe informa que o orçamento total do presídio é de R$ 947 mil, que inclui as contas de gás, luz, telefone, alimentação, água e um adiantamento R$ 8 mil para reparos rotineiros. Segundo os administradores do presídio, apenas a conta mensal de água custa cerca de R$ 600 mil. Em relação a superlotação do Central, a Susepe afirma que já estão sendo realizadas novas obras em outras unidades do Estado para desafogar o presídio, processo que deve iniciar, garante, no começo de 2011.

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