Um ex-executivo do grupo Alstom decidiu colaborar com o Ministério Público de São Paulo e relatou que a multinacional francesa pagou em 1998 um suborno de R$ 31,9 milhões, em valores atualizados, para fechar um negócio com estatais paulistas do setor de energia.
Para a Promotoria, o testemunho é o mais importante desde que começou a apuração sobre a Alstom, em 2008. Até então as apurações dependiam sobretudo de provas obtidas pelas autoridades francesas e suíças. O suborno, destinado a servidores e políticos do PSDB, equivale a 12,1% do valor do contrato, de R$ 263 milhões, segundo dados do executivo.
Além de propina, o preço das subestações de energia vendidas à Eletropaulo e à EPTE (Empresa Paulista de Transmissão de Energia) foi superfaturado em R$ 16,2 milhões, disse a testemunha.
O sobrepreço ocorreu na parte de material importado da França, segundo o depoimento. Suborno e sobrepreço elevaram o valor do contrato em R$ 48 milhões -o equivalente a 18,2% do valor total do negócio.
Sem esses pagamentos supostamente ilícitos, o valor do contrato cairia de R$ 263 milhões para R$ 215 milhões. Essa diferença deve ser o montante que os promotores vão pedir para a Alstom devolver aos cofres públicos.
A propina foi paga para que a Eletropaulo e a EPTE não fizessem uma nova licitação, de acordo com o depoimento. Para evitar a concorrência pública, as empresas do governo paulista ressuscitaram um contrato de 1983 por meio de um aditivo com a Alstom em 1998.
O uso do contrato de 1983 afronta, em tese, a Lei das Licitações, segundo a qual um contrato vale cinco anos. O executivo decidiu colaborar com as investigações após o Ministério Público concordar que ele deve ser excluído da lista de suspeitos nas apurações do caso. O nome dele é mantido em sigilo.
Ao depor no Ministério Público, o executivo entregou documentos internos da Alstom que apontam que tanto a propina quanto o superfaturamento estavam embutidos em preços acertados desde 1990, quando o contrato passou a ser renegociado.
À época, porém, as tratativas não saíram do papel porque o Brasil não tinha crédito internacional, já que decretara moratória em 1987. Um dos papéis entregues é uma nota interna da Cegelec, empresa do grupo Alstom, na qual engenheiros franceses elevaram valores de produtos importados em 20%.
O executivo disse que havia consultorias que eram verdadeiras e outras, fictícias. Afirmou que os pagamentos recebidos pelas empresas estrangeiras MCA Uruguay e Acqualux eram por consultoria de fachada, que serviam para acobertar a saída de dinheiro para suborno. As duas empresas receberam R$ 31,9 milhões (12,1% do contrato).
O percentual contraria parte do depoimento do ex-diretor da Alstom André Botto às autoridades francesas, de que o suborno representou 15% do contrato. A diferença deve-se ao fato de a testemunha separar o que chama de consultorias lícitas e fictícias, enquanto Botto incluía ambas.
A Acqualux, que recebeu R$ 9,2 milhões, segundo a testemunha, é de Sabino Indelicato, apontado pelos promotores como laranja de Robson Marinho, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado. Ele é investigado sob suspeita de ter recebido US$ 1,1 milhão da multinacional.
O contrato da Alstom também é alvo de ação criminal do Ministério Público Federal, na qual 11 réus são acusados de corrupção e lavagem de dinheiro.
OUTRO LADO
A Alstom diz em nota "que sobrepreço e pagamentos ilegais não são permitidos na empresa". A multinacional afirma ainda "que está colaborando com as autoridades nas investigações". A empresa diz que "opera segundo um código de ética a fim de cumprir as leis e regulamentos dos países onde mantém suas operações".
Henrique Fagundes Jr., advogado de Romeu Pinto Jr., representante da MCA Uruguay, acusada de prestar consultoria fictícia, diz que não gostaria de comentar a denúncia. Ele ressalta que não faz sentido a acusação de lavagem de dinheiro, já que os recursos que passaram pela conta da MCA saíram legalmente da Alstom e não tiveram origem criminosa.
O conselheiro Robson Marinho negou com veemência, por meio de nota, que tenha beneficiado a Alstom em seus julgamentos no TCE (Tribunal de Contas do Estado). Os advogados de Sabino Indelicato não foram encontrados ontem.
Em outras ocasiões, eles disseram que seu cliente e Marinho são sócios em empreendimentos imobiliários e que as transferências de recursos feitas entre eles foram resultado desses negócios.