Por José Osmando
No dia 21 de Maio de 2013, a Global Slavery Index, uma pesquisa que monitora e classifica países que possuem trabalhadores em condições análogas à escravidão, divulgou seu ranking mundial e revelou que o Brasil ocupava a 94ª posição nesse levantamento, com uma estimativa entre 200 e 220 mil pessoas vivendo em tais condições.
Agora, vejamos o horror: ontem, exatamente 10 anos depois- quando se esperava que esse quadro melhorasse-, a ONG Walk Free (uma instituição internacional de direitos humanos e especialista em produção de dados sobre crime da espécie), divulgou, em Londres, o Índice de Escravidão Global e mostrou que o Brasil passou à 11ª colocação universal nesse vergonhoso terreno, saltando de 200/220 mil vítimas, de 2013, para a extraordinária marca de 1.05 milhão de pessoas a isso submetidas. Os dados abraçam até o ano de 2021.
Isso mesmo: o Brasil cresceu 83 posições negativas nesse índice e colocou mais de 800 mil seres humanos nessas circunstâncias. A pesquisa foi realizada em 160 países. Nosso país fica atrás apenas da China (5,08 mi), Coreia do Norte (2,6 mi), Paquistão (2,3 mi), Rússia(1,9 mi), Indonésia(1,8 mi), Turquia(1,3 mi),Bangladesh(1,1 mi) e Estados Unidos(1,1 mi).
JORNADAS SEM LIMITE
Embora a palavra “escravidão” não seja mais utilizada por nenhum órgão oficial brasileiro, em evidente respeito à Lei Áurea, de maio de 1888, a triste verdade é que, decorridos 135 anos, fiscais do trabalho continuam testemunhando e promovendo a libertação de homens, mulheres e até crianças submetidas a jornadas sem limite, precárias condições de higiene, de moradia e de saúde, invariavelmente sem salários e carteira assinada, e sujeitas a dívidas impagáveis junto ao empregador.
SUL E SUDESTE
Uma constatação revoltante é que Estados do Sul e do Sudeste, mais desenvolvidos economicamente, são os que ostentam as mais frequentes e seguidas práticas de trabalho escravo. Se em 2010, quando fez a libertação de 150 trabalhadores em situação análoga à escravidão em plantações de maçã em São Joaquim, Santa Catarina, o Ministério do Trabalho já revelava que esse desumano tipo de trabalho era uma prática constante na região, o mesmo se verificou recentemente, quando várias dezenas de pessoas foram salvas desse tipo de escravidão em terras de vinícolas brasileiras com grandes produções e renomadas marcas do Rio Grande do Sul.
CENÁRIO EM 2023
E não são casos isolados. De acordo com dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, somente nos primeiros três meses deste ano de 2023, foram resgatados 1.201 trabalhadores explorados nessas condições. Em 2022, foram salvos dessas circunstâncias 2.575, em 462 operações de fiscalização. Na grande maioria dos resgatados (92%) eram homens, mas no conjunto dos libertados, contaram-se 35 crianças e adolescentes. Outra constatação: se a prática de trabalho escravo é visivelmente presente nas áreas rurais, em plantações agrícolas, também em zonas urbanas de cidades do Sul do país é frequente esse tipo de trabalho análogo à escravidão envolvendo crianças e adolescentes.
Conforme análise feita pela professora Danielle Annoni, especialista em Direito Internacional, com foco em Direitos Humanos, da Universidade Federal de Santa Catarina, as características culturais dessas cidades do sul, influenciadas pelos costumes trazidos com a imigração europeia, permitem que o trabalho escravo infantil seja visto com naturalidade.
CULTIVO DO CAFÉ
Dados divulgados pelo Ministério do Trabalho no início deste mês de Maio, revelam o resgate de 980 crianças e adolescentes em condições de trabalho degradantes. Destes, 377 tinham menos de 16 anos e 603 entre 16 e 18 anos de idade. O cultivo de café em Minas e São Paulo é o ambiente onde se dá mais esse tipo de trabalho utilizando crianças e adolescentes.
Durante o governo passado, as verbas destinadas às ações de fiscalização do trabalho escravo no Brasil foram reduzidas em mais de 50%. No período da pandemia da Covid, quando mais eram necessárias as fiscalizações, os recursos financeiros para esse fim foram praticamente suprimidos, caindo de R$ 55,6 milhões, na média de 2019/2020, para R$ 24 milhões em 2021.