A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (22) o texto-base de projeto de lei que autoriza a internação involuntária de dependentes químicos e aumenta a pena para chefes de organizações criminosas voltadas ao tráfico de drogas, a nova Lei Antidrogas.
Antes de concluir a votação da proposta, os deputados federais precisam apreciar emendas e destaques (propostas de alteração do texto). Para se tornar lei, a matéria terá de ser aprovada pelo Senado e sancionada pela presidente Dilma Rousseff.
Entre outros pontos, o projeto de autoria do deputado Osmar Terra (PMDB-RS) prevê a possibilidade de as famílias ou responsáveis legais de usuários de drogas requererem, mesmo sem o consentimento do dependente, a internação em instituição de saúde para tratamento e desintoxicação. Para que haja a internação à revelia, contudo, será necessário o aval de um médico.
A internação involuntária, um dos pontos mais polêmicos da nova lei antidrogas, gerou uma acalorada discussão em plenário. Os opositores da proposta classificaram esse tipo de tratamento de "repressor" e disseram que a medida contraria o livre arbítrio dos dependentes.
"A questão das drogas tem de passar da esfera da segurança para a saúde", defendeu o deputado Alfredo Sirkis (PV-SP).
Para o autor do projeto, no entanto, a internação involuntária prevista no projeto tem como finalidade principal atender aos usuários que estão nas ruas sem condições de se reabilitar.
"São pessoas que não têm família, dormem nas ruas, perderam tudo e não conseguem trabalhar, vivendo apenas esperando os próximos 15 minutos para usar a droga", disse Osmar Terra.
Pela regra aprovada pelos deputados, a internação involuntária irá se estender apenas pelo tempo necessário à desintoxicação. O projeto ressalva, entretanto, que o tratamento não poderá ultrapassar 90 dias.
Além disso, os familiares ou representantes legais do usuário poderão, a qualquer momento, solicitar aos médicos a interrupção do tratamento. O texto ressalta que as internações voluntárias e involuntárias de dependentes só são indicadas quando os recursos ?extra-hospitalares se mostrarem insuficientes?.
O projeto de lei determina ainda que as internações e altas dos dependentes químicos deverão ser informadas, em no máximo 72 horas, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e outros órgãos de fiscalização. Apesar de prever a comunicação às autoridades, a proposta de lei assegura o sigilo das informações do paciente.
Devido à ausência de uma proibição legal, o Estado de São Paulo já praticava a internação involuntária. Para suprir essa carência jurídica, a lei aprovada na Câmara autoriza expressamente e regulamenta esse tipo de tratamento para dependentes químicos.
Penas para traficantes
O projeto de lei aprovado na Câmara prevê tornar mais dura a punição para os chefes do tráfico de drogas. O texto determina que quem exerce o ?comando individual ou coletivo? de organização criminosa voltada ao tráfico de entorpecentes poderá ser condenado a penas que variam entre 8 e 15 anos de prisão em regime fechado. Atualmente, a punição para quem vende, fornece, fabrica, importa ou exporta drogas é de 5 a 15 anos.
A proposta especifica que organização criminosa é a associação de quatro ou mais pessoas ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com o objetivo de obter, ?direta ou indiretamente?, vantagem de qualquer natureza, ?mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 anos, ou que sejam de caráter transnacional?.
O capítulo que trata da elevação das penas aos traficantes criou um impasse. Na primeira versão do projeto, o deputado Osmar Terra havia proposto o endurecimento das penas inclusive para os pequenos traficantes. Mas o relator da matéria, deputado Givaldo Carimbão (PSB-AL), modificou o texto, enquadrando com penas maiores apenas os chefes do narcotráfico.
Na visão de Terra, a prisão dos traficantes por um tempo maior poderia reduzir a oferta de drogas nas ruas. ?Estamos lidando com pessoas que estão morrendo. Esse projeto quer diminuir a quantidade de droga ofertada. O que justifica o aumento de usuários é a oferta?, argumentou.
O parlamentar gaúcho disse ainda que o gasto do Estado com o tratamento de um dependente químico pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é maior que o custo de um traficante preso.
Crítico da nova lei antidrogas, o líder do PSOL, Ivan Valente (SP), se posicionou contra a proposta no plenário. O deputado paulista alegou que as prisões brasileiras não cumprem o papel de recuperar e reintegrar o preso à sociedade.
?O sistema carcerário brasileiro faz com que um amador saia de lá um profissional do crime. O projeto potencializa o uso de drogas?, disse em discurso na tribuna da Câmara.
Mesmo depois de o relator promover alterações no texto a pedido do governo, integrantes do PT continuaram pressionando para que a nova legislação distinguisse os líderes do tráfico de drogas dos traficantes de menor expressão.
?Esse projeto agrava o problema social brasileiro relacionado às drogas. Nós podemos estar piorando a situação das drogas?, reclamou o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).
Em meio à votação, o relator do projeto acolheu uma emenda de Teixeira que prevê a redução de um sexto a dois terços da pena para os traficantes que não forem reincidentes e não integrarem organização criminosa. De acordo com a emenda, os juízes terão autonomia para reduzir a pena dos acusados de tráfico de entorpecentes quando as ?circunstâncias do fato e a quantidade da droga apreendida demonstrarem o menor potencial lesivo da conduta?.
Osmar Terra criticou a emenda acatada pelo relator. ?Eu sou a favor de prender todos os traficantes, do pequeno ao grande. É o pequeno que vai viciar o meu filho na escola, no bairro. Um pequeno traficante precisa viciar de 20 a 30 meninos por ano para se viabilizar financeiramente?, disse o autor da proposta. ?Paulo Teixeira está preocupado com o traficante, eu estou preocupado com quem ele vicia?, alfinetou o deputado do PMDB.
Em resposta ao autor do projeto de lei, Teixeira argumentou que o pequeno traficante deve ter tratamento diferenciado e mais brando, pois, segundo ele, em muitos casos a venda da droga serve para sustentar o vício.
Comunidades terapêuticas
Além de prever internações involuntárias e maior rigor nas penas contra grandes traficantes, os deputados criaram novas regras para o acolhimento de dependentes em Comunidades Terapêuticas Acolhedoras.
Conforme o texto, a permanência dos usuários de drogas nesses estabelecimentos de tratamento poderá se dar apenas de forma voluntária. Para ingressar nessas casas, segundo o projeto, o paciente terá de formalizar por escrito seu desejo de se internar nas comunidades.
A proposta estabelece que esses locais devem servir de ?etapa transitória para a reintegração social e econômica do usuário de drogas?. E mesmo se o paciente manifestar o desejo de aderir às comunidades, será exigido uma avaliação médica prévia do dependente.
O texto ressalta ainda que, para realizar a avaliação médica, as comunidades terapêuticas acolhedoras terão ?prioridade absoluta? na utilização da rede de atendimento do SUS.
Reserva de vaga
Com o objetivo de facilitar a reinserção social do usuário de drogas, a proposta prevê uma cota mínima de emprego em obras públicas para dependentes em recuperação. Pela proposta, as empresas vencedoras de licitação para obras públicas deverão reservar 3% dos postos de trabalho para ex-usuários de drogas que estejam em tratamento.
"As licitações de obras públicas que gerem mais de 30 postos de trabalho deverão prever, nos contratos, que 3% do total de vagas sejam destinadas à reinserção econômica de pessoas atendidas pelas políticas sobre drogas", diz o texto. O líder do PDT, André Figueiredo (CE), criticou o dispositivo. ?Não podemos incentivar o demérito, ou seja, que aquele que nunca usou droga possa ser prejudicado pelo que já usou?, argumentou.