Na última terça-feira (11), durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do 8 de Janeiro, no Congresso Nacional, o tenente-coronel Mauro Cid escolheu não responder às perguntas dos deputados e senadores. No entanto, conversas reservadas revelam seu sentimento ao falar dos bastidores dos palácios do Planalto e da Alvorada sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
De acordo com essas conversas, devidamente registradas, Cid relata que frequentemente se via no meio do fogo cruzado entre Jair e Michelle Bolsonaro, principalmente quando o assunto era o pagamento de contas da família em dinheiro vivo, na boca do caixa.
Cid afirma, por exemplo, que Michelle era uma pessoa de difícil convivência no dia a dia e que não se simpatizava com ele. "Dona Michelle era muito difícil e não gostava de mim", declara. A principal razão para a tensão entre os dois estava ligada justamente às questões relacionadas ao dinheiro, segundo o militar.
Ele conta que recebia ordens explícitas do ex-presidente para pagar contas da própria Michelle, mas que Bolsonaro detestava quando ele também pagava faturas de familiares da ex-primeira-dama. No entanto, Michelle enviava essas contas com ordens para efetuar o pagamento. Cid afirma que, nessas situações, não havia muito o que fazer, a não ser atender aos pedidos dela, mesmo correndo o risco de ter problemas futuros. Em uma das conversas, meses atrás, ele desabafa: "Não ia me meter em briga de casal. Se ela pedia, eu depositava".
Após efetuar os pagamentos, o militar tinha que apresentar as faturas a Bolsonaro. E, quando isso acontecia, ele assumia a responsabilidade, alegando que não podia deixar de atender aos pedidos de Michelle, que chegavam por meio de seus assessores.
O ex-ajudante de ordens do ex-chefe do Executivo revela que muitas vezes preferia não saber quais eram as despesas que precisavam ser pagas. Ele repetia que, se a ordem era da "dona Michelle", liberava os valores sem hesitar. Dessa forma, foram feitos pagamentos do plano de saúde do irmão, mensalidades da faculdade de sua irmã, depósitos em contas de outros parentes da ex-primeira-dama que moravam na periferia de Brasília e até mesmo entregas de dinheiro em espécie nas mãos de integrantes da equipe de Michelle. Houve até ajuda financeira para o funeral da avó de Michelle.
A ex-primeira-dama não se dirigia diretamente a ele
Cid afirma que Michelle falava pouco com ele e que eram os assessores que se comunicavam em nome dela.
"Ela mandava dizer: 'preciso disso'. E os assessores falavam comigo", afirma.
O oficial do Exército jura que sempre usava dinheiro retirado de contas de Bolsonaro para efetuar os pagamentos. Ele garantia que não misturava, no caixa paralelo que administrava, os recursos da conta pessoal do ex-presidente com os valores retirados dos cartões corporativos da Presidência da República - uma suspeita investigada há algum tempo pela Polícia Federal (PF).
Cid explica que preferia sacar o dinheiro e pagar as faturas diretamente na boca do caixa, muitas vezes por intermédio dos outros oficiais que o auxiliavam no serviço de ordens da Presidência, para não expor o clã.
Uma das maiores confusões enfrentadas pelo coronel ao lidar com os pagamentos das contas de Michelle ocorreu quando descobriu que deveria pagar, entre outras faturas, os boletos do cartão de crédito usado pela ex-primeira-dama, que, na verdade, pertencia a uma amiga dela, uma funcionária comissionada do Senado.
A existência dos pagamentos das faturas do cartão de Rosimary Cardoso Cordeiro, a amiga de Michelle, foi revelada também na matéria publicada pelo Meio Norte.
Cid relata que se recusou a pagar as faturas do cartão, pois via ali um grande problema futuro: como Rosimary era funcionária do Senado, lotada no gabinete de um senador aliado de Bolsonaro, ele temia que a situação pudesse se tornar um problema para o próprio ex-presidente.
Ao explicar seu receio, Cid menciona o risco de essa relação financeira entre Michelle e Rosimary ser interpretada como algo impróprio. Ele cita inclusive o caso das "rachadinhas" que já causavam constrangimentos à família naquela época, com as investigações envolvendo Flávio e Carlos Bolsonaro, filhos do ex-mandatário.
Solução para o esquema não ser descoberto
O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro considerou conversar com Michelle para explicar a possível complicação, mas não viu oportunidade de fazer isso diretamente. Ele mandou um recado e disse que o estresse foi grande, a ponto de afirmar que não pagaria os boletos do cartão de Rosimary diretamente, para não deixar rastros.
Cid então encontrou uma solução alternativa, mas igualmente problemática. Ele respondeu que não pagaria os boletos, mas que sacaria o dinheiro e entregaria os valores para que os assessores efetuassem os pagamentos na boca do caixa.
Na época, ele não imaginava que, tempos depois, esses pagamentos também seriam minuciosamente investigados na apuração que o coloca como personagem central do caixa paralelo usado pela então família presidencial.
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