As repercussões no Planalto e no Congresso deram o tom do corte de R$ 50 bilhões promovido pela presidente Dilma Rousseff na quarta-feira (9), o maior já registrado na história do governo federal. No ministério, o que se viu foi o silêncio. Já entre os parlamentares, a gritaria atingiu decibéis que fizeram a tropa de choque governista intervir para aplacar os ânimos.
Ainda que não tenha detalhado o teor dos cortes, deixando a divulgação dos programas e áreas atingidos apenas para o final da próxima semana, o ministro de Relações Institucionais, Luiz Sérgio (PT-RJ), responsável pelo diálogo entre o governo e o Congresso, adiantou que as emendas parlamentares serão duramente afetadas.
Dos R$ 21 bilhões reservados por deputados e senadores para projetos e obras escolhidos em suas bases eleitorais, pelo menos R$ 18 bilhões sentirão a tesoura do governo. E dos R$ 3 bilhões que sobram, R$ 2 bilhões estão reservados para educação e saúde e, portanto, não poderão ter sua destinação desviada.
- No final, sobrou R$ 1 bilhão. O ministério tem que sobreviver.
Um dos primeiros a se levantar contra o que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, classificou como ?consolidação fiscal? ? apenas para não utilizar as palavras corte ou arrocho ? foi o senador Ciro Nogueira (PP-PI), afilhado político do ex-presidente da Câmara dos Deputados Severino Cavalcanti, que renunciou sob acusações de cobrar propina de um dono de restaurante instalado no Congresso.
- Estamos assustados. Esperamos uma explicação factível. Não se pode jogar o ônus dos gastos só no Congresso. Emendas não são gastos, são investimentos que muitas vezes o próprio governo indica para serem feitos nos Estados e municípios.
O problema é que a destinação da maioria das emendas carrega suspeitas de que o quadro é diferente. No ranking das emendas individuais apresentadas, o Ministério do Turismo supera o da Saúde e o da Educação. Foram R$ 1,3 bilhão destinado à promoção de atividades turísticas, ante R$ 1,1 bilhão para a Saúde e R$ 464 milhões para a Educação.
Este último, aliás, foi contemplado com menos recursos do que o Ministério do Esporte, que recebeu R$ 540 milhões em emendas. O Ministério da Cultura, por sua vez, recebeu R$ 288 milhões, valor 14 vezes superior ao do Ministério dos Transportes.
Na divisão por programas de aplicação dos recursos, outro número curioso: a promoção do "turismo social" no Brasil aparece em segundo lugar, tendo recebido quase tantas indicações quanto à rubrica de assistência hospitalar.
Nova relação
Mais do que a chiadeira dos parlamentares sobre um dos grandes filões orçamentários, o corte tem sido visto por deputados e senadores como o cartão de visitas de Dilma em relação ao Congresso. O cientista político Murillo de Aragão, da Arko Advice, acredita que essa é a primeira grande diferença entre os estilos de Dilma e de Lula, e a presidente pode ganhar ou perder tudo com essa nova política.
- Não é comum vermos um presidente desafiando o Congresso dessa forma. Lula sempre foi a favor da negociação, assim como o Fernando Henrique. O único que enfrentou diretamente foi o [Fernando] Collor, mas o clima político era outro. Dilma quer passar o recado de que vai cortar onde tiver de cortar para conseguir cumprir com o que prometeu em seu governo, tanto que retirou dos ajustes os programas sociais e os investimentos do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. Mas uma hora ou outra ela vai ter de compensar a perda dos parlamentares.
Na opinião do senador Aécio Neves (PSDB-MG), o enfrentamento pode ser inevitável. O ex-governador mineiro não deixa de criticar a presidente, principalmente pelo tom que procurou dar em sua campanha presidencial, e diz acreditar que a demora em revelar o teor dos cortes pode ser uma tática para que os parlamentares votem de acordo com os interesses do governo, como no caso do salário mínimo.
- Vejo apenas duas explicações. A mais provável é que o Brasil que o governo apresentou durante a campanha eleitoral não era o Brasil real. A situação fiscal não é aquela que nos apresentaram. Outra possibilidade é que o governo queira, com o anúncio dos cortes, pressionar sua base a votar projetos de seu interesse. Seja como for, é um péssimo presságio sobre o governo que se inicia.