A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (22), por 4 votos a 1, que o ex-procurador Deltan Dallagnol terá de indenizar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por dano moral.
A indenização foi fixada em R$ 75 mil, adicionados de juros e correção monetária. Segundo o ministro relator, Luís Felipe Salomão, o valor total da indenização deve superar os R$ 100 mil. Dallagnol pode recorrer da decisão no próprio tribunal.
Votaram a favor da indenização, além de Salomão, os ministros Raul Araújo, Antônio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. A ministra Maria Isabel Gallotti divergiu dos colegas.
O caso envolve uma entrevista coletiva concedida pela Lava Jato em 2016 para apresentar a primeira denúncia contra o ex-presidente Lula. O Ministério Público acusou o petista dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP).
Durante a entrevista, Deltan usou uma apresentação de PowerPoint em que o nome de Lula aparecia no centro da tela, cercado por expressões como “petrolão + propinocracia”, “governabilidade corrompida”, “perpetuação criminosa no poder”, “mensalão”, “enriquecimento ilícito”, "José Dirceu", entre outros.
Na Justiça, a defesa de Lula afirma que o ex-procurador agiu de forma abusiva e ilegal ao apresentar o petista como personagem de esquema de corrupção – o que configuraria um julgamento antecipado.
O processo chegou ao STJ depois de Lula sofrer duas derrotas na Jusiça de São Paulo, que rejeiotu o pedido de indenização por considerar que não houve excesso.
O voto dos ministros
A maioria dos ministros seguiu o voto do relator, Luís Felipe Salomão, que reconheceu o dano moral. Segundo o ministro, Deltan extrapolou suas funções, provocando danos à imagem, honra e nome de Lula.
“Essa espetacularização do episódio não é compatível nem com o que foi objeto da denúncia e nem parece compatível com a seriedade que se exige da apuração desses fatos”, afirmou o ministro.
Salomão disse que Deltan “usou expressões desabonadoras da honra e imagem, e a meu ver não técnicas, como aquelas apresentadas na própria denúncia. Se valeu de PowerPoint, que se compunha de diversos círculos, identificados por palavras. As palavras, conforme se observa, se afastavam da nomenclatura típica do direito penal e processual penal."
O ministro Raul Araújo ainda também reconheceu o dano moral. “Houve excesso de poder. Atuou para além de sua competência legal. O erro originalmente de tudo isso, me parece, deveu-se àquele típico juízo de exceção que se deixou funcionar em Curitiba. Criou-se um juízo universal. Sempre fui um crítico desse funcionamento, a meu ver, anômalo. Levou-se muito tempo para reconhecer e so agora esta corrigindo o desvio”, afirmou.
O que dizem as defesas
O advogado de Lula, Cristiano Zanin, afirmou que Deltan violou seus deveres funcionais.
"É legítimo um integrante do Ministério Público convocar uma coletiva na data em que está apresentada uma denúncia para fazer afirmações peremptórias, sem qualquer ressalva, e dando ao público a ideia de condenação daquele que está sendo denunciado? Essa situação fere os direitos da personalidade do cidadão, do jurisdicionado, e por consequência fere dispositivos de lei federal que albergam os direitos de personalidade."
"O ministro ressaltou que o STJ não estava analisando a acusação contra Lula, que inclusive, foi anulada por decisão do Supremo Tribunal Federal. Nada disso está sendo debatido. Aqui é apenas aquela conduta da entrevista coletiva", prosseguiu Zanin.
O advogado disse ainda que o PowerPoint trata do crime de organização criminosa, que não era discutido naquela oportunidade, e que o valor da indenização de R$ 1 milhão corresponde a todo o desgaste provocado na imagem nacional e internacional do petista.
Segundo o advogado, Lula “teve o nome estampado em diversos veículos de comunicação do Brasil e exterior com as frases que constavam no power point que eram agressivas, descabidas e incompatíveis com a realidade dos fatos”.
Responsável pela defesa de Deltan, o advogado Márcio de Andrade afirmou que não houve violação da conduta funcional pelo então procurador.
"A entrevista foi concedida dentro do exercício regular de procurador da República. Os fatos foram apurados pela corregedoria da Procuradoria da República, e também pelo Conselho Nacional do Ministério Público, e também concluíram de forma uníssona: não houve excesso e não houve sanção administrativa”.
Veja a nota da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dos advogados Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins, sobre a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nesta terça-feira (22/03). O STJ determinou que o ex-procurador Deltan Dallagnol terá de indenizar Lula por danos morais, no caso do “powerpoint”.
Segue íntegra da nota:
“O reconhecimento hoje (22/03), pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), de que a “coletiva do Power Point” configura ato ilegal e é apta a impor ao ex-procurador da República Deltan Dallagnol o dever de indenizar o ex-presidente Lula é uma vitória do Estado de Direito e um incentivo para que todo e qualquer cidadão combata o abuso de poder e o uso indevido das leis para atingir fins ilegítimos (lawfare).
Referida entrevista coletiva foi realizada em 16 de setembro de 2016, em um hotel localizado em Curitiba (PR), e fez uso de recurso digital (PowerPoint) contendo inúmeras afirmações ofensivas a Lula e incompatíveis até mesmo com a esdrúxula denúncia do “triplex” que havia sido protocolada contra o ex-presidente naquela data. Naquela oportunidade Lula recebeu de Dallagnol o tratamento de culpado quando não havia sequer um processo formalmente aberto contra o ex-presidente — violando as mais básicas garantias fundamentais e mostrando que Dallagnol, assim como Sergio Moro, sempre tratou Lula como inimigo e abusou dos poderes do Estado para atacar o ex-presidente.
Lula foi absolvido da real acusação contida no PowerPoint de Dallagnol pelo Juízo da 10ª. Vara Federal de Brasília em sentença proferida em 04/12/2019 (Processo nº 1026137-89.2018.4.01.3400). Na decisão — que se tornou definitiva por ausência de qualquer recurso do Ministério Público — o juiz federal Marcus Vinícius Reis Bastos considerou que acusação de que Lula integraria uma organização criminosa “traduz tentativa de criminalizar a política”.
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em 2020, ao analisar a mesma “coletiva do PowerPoint” a partir de Pedido de Providências (Autos nº 1.00722/2016-20) que apresentamos em favor de Lula, já havia considerado o ato abusivo e com o objetivo de promover o julgamento pela mídia (trial by midia).
Lula não praticou qualquer ato ilegal antes, durante ou após o exercício do cargo de Presidente da República e tem o status de inocente, conforme se verifica de 24 julgamentos favoráveis ao ex-presidente, realizado nas mais diversas instâncias.
A indenização é apenas um símbolo da reparação histórica que é devida”.