Meio zonzos e aparentemente desorientados, José Serra, do PSDB, e Marina Silva, do PV, com ajuda de coordenadores políticos, aliados e marqueteiros - alguns mais tontos ainda - tentam assimilar o duro golpe embutido nos números da mais recente pesquisa CNI/Ibope divulgados na quarta-feira. Aqui e ali, basta apurar os ouvidos, já se escuta até quem fale em largar o navio ou trocar de barcos antes da campanha presidencial começar pra valer.
Como um Exu de romance de Jorge Amado, prefiro observar tudo com ironia. Ou contar histórias reais do Nordeste nestes dias de dilúvio e desastres em Alagoas e Pernambuco. Falar da mistura de campanha eleitoral com o futebol da nossa Seleção, do tempo dos folguedos juninos - que deveria ser de música, forró, licor e animação, mas que é de inundação, mortes, saques e tragédia, como mostram imagens que espantam e comovem o país e o mundo.
No começo desta semana, por exemplo, a candidata do PT à presidência, Dilma Rousseff, desembarcou mais uma vez na Bahia. Vinha de um périplo internacional marcado por encontros, conversas, beijinhos, abraços e apertos de mãos em líderes da política europeia e governantes como o francês Sarkozy, o espanhol Zapatero e o português José Sócrates. Tudo entre uma pausa e outra para torcer por nossa Seleção em campos da Africa do Sul, vestida com a camisa "canarinha" e direito a imagens e falas transmitidas nos principais noticiários das maiores redes de emissoras de televisão do País.
Em Salvador, depois da larga travessia do oceano, a ex-ministra veio cumprir a promessa assumida com os aliados do PMDB: participar da convenção estadual realizada em um centro de festejos da capital, para sagração e lançamento do ex-colega de ministério e amigo, Geddel Vieira Lima, ao governo baiano. Dilma promete retornar para a festa do companheiro e candidato petista à reeleição, Jaques Wagner, ultimamente às turras com Geddel. Daí a charge primorosa de Cau Gomez, publicada no jornal A Tarde, em que a petista aparece toda prosa soprando uma vuvuzela com dois bocais. Em um deles está escrito o nome de Wagner. No outro, o de Geddel.
No fim da coletiva à imprensa, em Salvador, a assessora de Dilma pediu pressa e avisou: "Ela vai ter que embarcar para Recife". OK, já se sabia que, depois da convenção, a agenda da ex-ministra era só forró junino no Nordeste: em Caruaru (PE), em Campina Grande (PB) e finalmente em Aracaju(SE). A candidata só não dançaria "forró pé de Serra" porque "pegaria mal", tratou de ironizar o presidente do PT, José Eduardo Dutra.
Mas o forró da petista vai ter de esperar outra oportunidade mais propícia. Ainda em Salvador, ela foi informada do drama das chuvas na área que iria percorrer. E a rota foi alterada no caminho para o aeroporto: o jatinho de Dilma voou sem escala para Brasília, enquanto ela recebia mais detalhes direto do Planalto sobre a extensão do drama nordestino. A viagem a Caruaru, em Pernambuco, foi cancelada. Dilma ligou para o governador aliado Eduardo Campos, solidarizando-se. Em Brasília, a candidata cancelou também as viagens ao São João de Campina Grande (PB) e Aracaju (SE).
A petista recolheu-se então aos bastidores e a cena no palco principal foi assumida pelo padrinho e alavanca de sua candidatura. Depois de mobilizar até o ministro da Defesa para uma "operação de guerra" de seu governo em socorro de seus conterrâneos vítimas da catástrofe, o presidente Lula determinou aos seus ministros iniciativas e recursos semelhantes aos assumidos na tragédia recente do Rio de Janeiro.
Na quinta-feira ele mesmo pegou o avião para visitar a região atingida. Comparou o cenário que viu nesta quinta-feira no Nordeste aos estragos causados pelo terremoto que atingiu o Haiti no início deste ano. "São tragédias quase que semelhantes. Sobrevoei o Haiti de helicóptero e depois desci, e fiz o mesmo aqui. Para sentir o drama, tem que estar lá embaixo, pisar no barro, sentir o cheiro, ver as lágrimas", discursou o presidente, como quem dispara em tucanos no agreste.
Em seguida, o ministro Paulo Bernardo (Planejamento) fez o de sempre, depois de cada catástrofe semelhante: anunciou que já foram enviados R$ 597 milhões aos Estados de Pernambuco e Alagoas para a reconstrução das cidades destruídas.
No fim dessas histórias nordestinas, haverá quem queira saber o que elas têm a ver com os desastres de Serra e Marina nos resultados das mais recentes pesquisas. "Quem sabe, seu dotô!", responderia o caboclo do São Francisco.
Vitor Hugo Soares
De Salvador (BA)