Eleição boliviana dá força a Evo Morales

Com a reeleição praticamente assegurada, o presidente tenta ganhar espaço também no Congresso boliviano, principalmente no Senado

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Nos quatro anos anteriores à chegada de Evo Morales à Presidência da Bolívia, em 2005, o bolivianos tiveram quatro presidentes, todos eles derrubados pela alta instabilidade política que virou marca do país, com mais de 200 golpes ao longo de sua história. Nos últimos quatro anos, Morales fez um governo turbulento, com ameaça de guerra civil. Seu mandato praticamente "refundou" o país, com uma nova Constituição e a nacionalização do gás. A vitória certeira no domingo dá ao presidente legitimidade interna, e analistas preevem que a Bolívia terá anos menos turbulentos pela frente.

Com a reeleição praticamente assegurada, o presidente tenta ganhar espaço também no Congresso boliviano, principalmente no Senado, atualmente controlado pela oposição. Uma vitória daria a Morales o poder de derrubar o veto dos opositores a suas políticas nacionalistas e de defesa dos indígenas.

Pesquisas apontam que o governo deve obter maioria simples no Senado, mas com alianças será possível atingir os dois terços necessários para garantir vitórias a seus projetos na Casa. Além do presidente e do vice, os bolivianos escolherão 130 deputados e 36 senadores para a Assembleia Plurinacional.

Com a nacionalização do gás em 2006, o principal produto de exportação boliviano, Morales aumentou a participação do governo central na arrecadação, mexendo com os interesses da região produtora de Santa Cruz de la Sierra. A alta nos preços internacionais do gás e do petróleo fez o PIB dobrar nos últimos seis anos, chegando a R$ 74 bilhões (2,3% do PIB do Brasil, de R$ 3,4 trilhões). A alta na receita fez aumentar os gastos sociais, principalmente nas regiões mais pobres do Altiplano, ou Oriente.

Com a Constituição aprovada num referendo em 2007, Morales refundou o país, na prática. O "Estado Plurinacional da Bolívia", novo nome oficial, descentraliza o governo de La Paz e dá autonomia a nações indígenas e aos Departamentos, cujos governadores serão eleitos por voto popular.

As reformas de Morales dividiram a Bolívia entre o Oriente (região no alto dos Andes, de maioria indígena), amplamente favorável ao governo, e o Ocidente (regiões baixas, de grande população branca e mestiça). A última região, chamada de Meia Lua, acusa Morales de privilegiar os indígenas e ameaçou se separar do país. O enfrentamento liderado por Santa Cruz de la Sierra contra La Paz quase provocou uma guerra civil em 2008.

Para Pedro Silva Barros, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, Morales terá "a legitimidade reforçada" com a eleição:

- Com uma ampla votação, ele terá mais possibilidade de avançar com seu projeto. Ele não tem nenhum problema de legitimidade internacional, mas enfrentava o movimento de Santa Cruz, que agora está enfraquecido. Com a eleição pode se esperar um período menos turbulento e com mais realizações do governo.

Autonomia dos Departamentos deve provocar polêmica

Para a socióloga boliviana Vivian Urquidi, que há 22 anos vive no Brasil e é professora na USP, a eleição marca o "fim de uma fase em que a oposição era contra a tudo que viesse de Evo (Morales)".

- O resultado vai dar maior governabilidade ao presidente, e a oposição terá de mudar sua estratégia e dialogar com o governo. O presidente também terá de conversar com mais setores da sociedade.

Vivian acredita que a reeleição de Morales num país que já teve mais de 200 golpes e contragolpes na sua história significa "uma nova fase" na política do país. Mas ela acredita que o período de instabilidade não acabou, já que ainda falta ser definida a questão das autonomias dos Departamentos em relação ao governo central, o que vai mexer com muitos interesses.

Até a chegada de Morales ao poder, em 2005, a Bolívia era um Estado unitário, com os governadores dos Departamentos indicados pelo presidente. Com a nova constituição, os Departamentos ganham autonomia.

Autonomia dos indígenas divide o país

Uma das maiores polêmicas da nova constituição é a "questão plurinacional", que dá autonomia às mais de 30 nações indígenas do país, que vão poder tomar decisões locais com base em suas tradições. O sistema equivale, grosso modo, à "sharia", a lei islâmica adotada por alguns países muçulmanos.

Em teoria, se uma comunidade decide eleger seus lideres locais apenas com o voto masculino com base nos valores dos antigos povos indígenas, a decisão será legítima mas entrará em choque com o direito tradicional, que permite o voto às mulheres.

Para Barros, "ainda há muita confusão sobre o que significa plurinacional":

- As mais de 30 nações (de origem indígena) vão ter um direito tradicional, ligado ao Estado, e um direito baseado nos valores ancestrais. Não existe hierarquia sobre nenhum dos direitos. A última palavra será da Suprema Corte.

Para Vivian, a imprensa internacional faz muito alarde sobre o tema:

- O que acontece é a formalização de uma situação que sempre existiu e que era marginal. Há um reconhecimento das autoridades locais, o poder de administrar localmente os recursos, mas tudo continua subordinado ao Governo Central.

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