Eugenia e racismo, uma triste história- por José Osmando de Araújo

Os casos recentes de racismo no Brasil mostram como a herança maldita da eugenia ainda permeia a sociedade, perpetuando preconceitos e violações de direitos.

Livro Raça Pura conta a história da eugenia no Brasil | div
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Por José Osmando de Araújo

Dois recentes episódios que configuram a prática de racismo, chamam nossa atenção e voltam a  causar espanto, por serem reveladores, de maneira contundente, de que o Brasil permanece sendo um país preconceituoso, amarrado a uma herança maldita fincada em nosso território e na alma de nossa gente, pela colonização europeia, que intentou através do trabalho escravo, não remunerado, nos fazer como nação.

O primeiro caso, que chegou a grande parte da mídia com razoável visibilidade, foi a retirada de um voo da Gol, pela Polícia Federal e a pedido do comandante da aviação, da mulher negra Samantha Vitena Barbosa. A PF invadiu a aeronave, que ficou retida por vários minutos, até que ela, após tentativas de resistência, fosse expulsa do avião e retida no aeroporto durante horas. Samantha estava sendo obrigada a despachar a mochila com seu computador - sendo, inclusive, acusada por parte da tripulação de ser “a razão do atraso”. Os passageiros conseguiram um lugar para a mochila de Samantha e nem assim a tripulação consentiu.

APURAÇÃO DO REAL MOTIVO

O ministro da Justiça, Flávio Dino, mandou apurar qual teria sido o real motivo, pois há sérios indícios de abuso e racismo, por se tratar de uma mulher negra. O MPF também entrou na história e abriu  investigação para apurar a possível prática de racismo e violação dos direitos das mulheres por funcionários da Gol e da PF, ao retirarem uma mulher negra de um voo sem informá-la dos motivos.

MAIS UM CASO NO PARANÁ

Ontem, não bastasse essa atitude cercada de racismo na Bahia, a Polícia Federal no Paraná entrou num voo da Azul o expôs o deputado estadual paranaense Renato Freitas a uma estranha revista pessoal, em seu corpo e em seus pertences, dentro do avião, uma atitude raríssima, até mesmo não conhecida por passageiros, pois as revistas são feitas sempre na esteira e na máquina de raio-X, anteriormente ao acesso à aeronave.


Para quem não lembra ou não sabe, Renato Freitas é negro. É o mesmo cidadão que, sendo vereador eleito democraticamente pelo voto dos eleitores de Curitiba, teve seu mandato cassado pela totalidade branca dos demais vereadores, após um duro enfrentamento que teve com os demais componentes da Câmara, por ter ele liderado um movimento de protestos contra o racismo numa igreja da capital. A cassação foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Paraná e depois tornada nula em decisão do Ministro Luiz Roberto Barroso do STF.

EUGENIA: IDEOLOGIA CONTROVERSA

O Brasil sustentou por muito tempo, e ainda persiste nessa ladainha, de que somos um país tão miscigenado, gentil e generoso, incapaz de não viver harmonicamente, como se iguais fôssemos todos. Mas não basta ir muito longe para constatar que a eugenia, um extremo paradoxo à formação racial da nação brasileira, foi uma ideia avançada, próspera de alcançar êxito, nos anos 30 do século passado, ainda, portanto, sem ter chegado aos 100 anos de sua tentativa. Nessa época evolui uma triste história que envolveu disputas entre médicos e políticos, a Igreja, o Estado e integrantes da indústria.

O livro Raça Pura, escrito pela pesquisadora Pietra Diwan, após rigorosa investigação, entrelaça desvios científicos, preconceitos raciais, interesses econômicos e ambições políticas. E dá nome aos bois, mostrando com clareza quem liderou esse movimento brasileiro para purificar sua raça, livrando-se do estigma da negritude que nos foi trazida, com suor, lágrimas e muitas mortes, pelos escravos negros vindos da África, que sustentaram o enriquecimento dos brancos na produção da cana-de=açúcar e do café, no Nordeste e Estados do Sul e Sudeste.

O livro, de leitura agradável para quem almeja conhecer a verdade, por mais dura que seja, passa em revista a história da eugenia, mas faz mais que isso: a autora desamarra os laços de poder e as alianças escusas entre a ciência e os donos do poder na geração das “políticas do preconceito”, e aponta para as ameaças ilusórias de purificação de sangue trazidas pelo nazismo o de Hitler.

NOMES “NOTÁVEIS”

Nomes notáveis da medicina, da literatura, da política, figuram como defensores do “branqueamento da raça” como solução para o Brasil. Entre estes, o médico Nina Ribeiro ( que dá nome ao IML da Bahia); o escritor Euclides da Cunha, que tratou de raça e miscigenação sob olhar eugenista; o escritor Sílvio Romero ( fundador da Academia Brasileira de Letras), que apontava como solução “deixar os negros morrerem”; o médico João Batista de Lacerda, diretor do Museu Nacional; o sanitarista Oswaldo Cruz, defensor do branqueamento da população brasileira e o médico Renato Ferraz Kehl, diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública.

Na virada do século 19 para o século 20, o Brasil era terreno fértil para a eugenia. Daí, nos anos 1930, ter surgido a Sociedade Eugênica de São Paulo, na qual se encontravam Arnaldo Vieira de Carvalho ( fundador da Faculdade de Medicina de São Paulo), Vital Brasil( fundador do Instituto Butantã e Monteiro Lobato, escritor bastante difundido, cujos livros encantavam crianças país afora, autor do Sítio do Pica-Pau Amarelo, que também publicou os Annaes de Eugenia, lançados em 1919.

O purismo de sangue, o branqueamento da raça, o sentimento de que o negro é inferior, seguem muito vivos no Brasil de hoje.

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