Ele só queria se aposentar na Alemanha. Pelo menos era o que dizia. Depois que a empresa rejeitou o pedido e começou a levantar suspeitas sobre sua conduta ética, o que tinha tudo para ser um pacato aposentado virou um homem-bomba, autor dos papéis que provocaram a batalha em curso entre PT e PSDB.
A trajetória errática é a do engenheiro Everton Rheinheimer, 61, o ex-diretor da Siemens no Brasil que acusa a multinacional alemã e empresas como a francesa Alstom e a canadense Bombardier de conluio em licitações e de subornar políticos e servidores públicos para obter contratos do Metrô e da CPTM entre 1998 e 2008, ao menos.
Rheinheimer (pronuncia-se "rainraimer") é um acusador persistente. Seu caso contra o Metrô e a CPTM começou em junho de 2008, quando enviou uma carta ao ombudsman da Siemens na Alemanha para dizer que a empresa "vem subornando políticos (na sua maioria) do PSDB".
Em nova denúncia neste ano, ele deu nome aos bois: cita o tucano Edson Aparecido, chefe da Casa Civil do governador Geraldo Alckimin, e o deputado federal Arnaldo Jardim (PPS-SP) como políticos que teriam recebido propina --o que ambos negam.
Começa aí uma série de dúvidas que persistem até hoje. Por que ele escreveu essas acusações? Como sabia do suborno? Será que tem provas do que diz? O que ele quer?
Rheinheimer nasceu em São Leopoldo (RS), no primeiro dia de 1952, mas chegou à Siemens brasileira em 2001 como expatriado, vindo da matriz na Alemanha, para gerenciar o setor de transporte.
Em 2007, voltou para a Alemanha para um cargo que não queria assumir, o que levou-o a deixar a multinacional. Tinha 21 anos de Siemens e já havia trabalhado para a companhia na Alemanha, China e nas Filipinas.
São essas as pouquíssimas informações seguras que existem sobre o executivo, que prefere transitar em meio à névoa --ele nunca deu uma entrevista e a única imagem conhecida dele é uma foto 3 x 4, feita há mais de 20 anos.
O PAGADOR
Não se sabe por que a Siemens recusou o pedido de aposentadoria na Alemanha, mas colegas e adversários de Rheinheimer dão algumas pistas. Ele teria entregue dinheiro de propina ao consultor Arthur Teixeira, apontado pela Polícia Federal como intermediador do suborno para os políticos, e a empresa não queria mais funcionários desse tipo em sua folha.
Como a Siemens atravessou um escândalo mundial em 2007 envolvendo propina, funcionários que sabiam demais passaram a ser indesejáveis. Outra versão é que o ex-diretor teria desviado para si recursos destinados a pagamento de suborno, o que parece ser uma tentativa de inimigos de desmoralizá-lo.
O que o próprio executivo escreveu, num documento revelado há 15 dias, é que mandou a carta em 2008 ao ombudsman "para me defender de rumores sobre meu envolvimento neste escândalo".
Não se sabe bem o que ele quer dizer com "envolvimento" (pode ser tanto o pagamento de propina como o desvio). Mas é certo que adotou a estratégia do acusado que vira acusador para tentar escapar das acusações.
PARCERIA
Rheinheimer teve um parceiro nas acusações: o deputado estadual licenciado Simão Pedro (PT), atualmente secretário de Serviços da Prefeitura de São Paulo.
Em 2010, o então deputado e o ex-diretor foram ao Ministério Público pedir que as suspeitas sobre o Metrô e a CPTM fossem investigadas. Em documento não assinado de abril deste ano, Rheinheimer critica o desempenho dos promotores.
"Apesar de toda a informação detalhada e das provas fornecidas por mim (...), a investigação do MP-SP não prosperou".
Promotores que cuidam das investigações na esfera estadual tentaram convencê-lo a depor como testemunha oculta, cuja identidade só seria conhecida pelo juiz, mas ele recusou a oferta.
A promotora Beatriz Lopes de Oliveira, que negociou com o executivo em 2010, rebate as acusações de incompetência do Ministério Público: "Ele não aceitou depor, dizia que tinha provas, mas nunca apresentou nada. Sem provas, nenhum juiz concederia uma autorização de busca ou escuta telefônica".
No mês passado, Rheinheimer teve informações de que os acordos no Ministério Público não são muito sérios. Horas após fazer um depoimento sigiloso, viu parte do que dissera ser divulgado pela Rede Globo de Televisão.
Foi por isso que escolheu a Polícia Federal como depositária das informações mais bombásticas que ele diz ter.
Foi à PF que o ex-diretor citou pela primeira vez em caráter oficial nomes de políticos que teriam recebido propina do esquema. O documento é mantido em sigilo, mas dois nomes já foram citados em documentos apócrifos: o do tucano Edson Aparecido, chefe da Casa Civil de Alckmin (PSDB), e o do deputado federal Arnaldo Jardim (PPS-SP). Ambas refutam com veemência as suspeitas.
O acordo da Siemens com a Cade (Conselho Administrativa de Defesa Econômica), no qual a multinacional acusa a si própria e a um grupo de empresas de agirem como cartel, trouxe outras mudanças súbitas na vida dele.
Pela primeira vez em cinco anos, Rheiheimer tem advogados pagos pela Siemens, que acompanham seus depoimentos no Ministério Público e na Polícia Fedreral. Recentemente, a Siemens pagou o ex-diretor para viajar à Alemanha, com a missão de achar documentos que sustentem suas acusações.
O resultado dessa mudança é que o ex-diretor virou parceiro --mas também refém-- da empresa a quem acusava de violar a ética nos negócios.