O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) avaliou que o momento pelo qual passa o governo da presidente Dilma Rousseff (PT) é especialmente delicado por ela sofrer um processo não apenas de perda de popularidade, mas de perda de credibilidade. Em entrevista na noite da última quinta-feira (19) a Mario Sergio Conti, na Globo News, FHC foi questionado sobre o início do seu segundo mandato, em 1999, quando perdeu popularidade em meio à crise cambial. "Foi diferente. No meu governo, eu perdi popularidade mas não credibilidade, continuei com apoio do Congresso, de setores econômicos", afirmou.
O tucano argumentou que o governo federal enfrenta diversas crises simultaneamente e que isso é que é preocupante. "Essa de hoje é um conglomerado de crises". disse. A mais "saliente", segundo o ex-presidente, é a crise econômica, advinda de uma condução errada da matriz estabelecida no seu governo pelo governo Lula.
Fernando Henrique afirmou que nos anos iniciais da crise internacional - 2008 e 2009 - o governo Lula soube aplicar medidas anticíclicas, com maior oferta de crédito e estímulo ao consumo, de forma adequada, mas que isso avançou para uma dosagem errada no governo Dilma. "Quando houve essa sensação de que, com crédito, faço o que eu quiser, começou a haver frouxidão nas contas públicas. O BNDES também, usado como alavanca do crescimento, além do limite, começou a dar confusão."
Quando ficou mais claro que a matriz que sustentou a estabilidade econômica do país estava se desfazendo, isso gerou uma "certa desilusão dos setores empresariais e das classes médias que tinham um fascínio com aquela condição econômica", afirmou o ex-presidente.
À crise econômica, somou-se a crise política, instalada pela evolução que FHC entende como passagem do presidencialismo de coalizão para o presidencialismo de cooptação - evidenciada pelos 39 ministérios e quase 30 partidos no Congresso -, e a crise moral, que chega ao auge com as denúncias de corrupção na Petrobras.
Apesar de avaliar o momento de forma negativa, Fernando Henrique disse ter sempre uma perspectiva positiva de "crença no Brasil". Ele avaliou que o grande problema para o país foi não saber se adaptar ao processo da globalização desde os anos 1970. "As pessoas não entenderam o processo, acharam que (comércio internacional) era entregar o Brasil ao exterior", afirmou. E isso, segundo ele, continuou nos governos petistas. Ele deu como exemplo a política de conteúdo nacional, iniciada quando ele foi presidente, mas que passou da "dosagem"no governo Dilma. "O mundo está muito interligado, isso não vai dar certo", criticou.
O ex-presidente também criticou as mudanças de regulamentação promovidas por Dilma nos setores de petróleo e elétrico, que prejudicam o ambiente de desenvolvimento do país, a seu ver, no médio e longo prazos. Fernando Henrique acredita que houve uma visão "soviética", de priorizar o crescimento, sem uma visão estratégica, política e de mundo, "de olhar o entorno e ver o que está acontecendo" e de não perceber até mesmo o desenvolvimento de medidas globais de preservação do meio ambiente.
Em pouco mais de meia hora de entrevista, FHC foi mais crítico ao governo Dilma, mas não deixou de mencionar o governo Lula. Disse lhe doer pensar que o Brasil não soube aproveitar o boom das commodities da década passada para dar um impulso de desenvolvimento. "Me dói como brasileiro, ver a perda de oportunidades históricas e a responsabilidade é do partido que está no poder, sem dúvida", afirmou.
Ele também afirmou que, no primeiro momento de crise de falta de apoio ao governo Dilma, havia uma sensação de que o governo Lula tinha sido bom e que ela havia conduzido mal a sucessão. Mas que, agora, a população passa a identificar como um processo somado e não quer "nem um nem outro".
Conciliação PT - PSDB
Durante a entrevista, o ex-presidente repetiu uma mensagem que havia passado em entrevista ao jornal Valor Econômico nesta semana, de que é importante haver uma conciliação entre forças políticas opostas, em referência a PT e PSDB, mas que o momento não está para "conchavo", com as manifestações de rua. Na entrevista ao jornal, FHC havia dito que se Dilma quisesse falar com ele, o contato teria de ser feito abertamente.
Corrupção de hoje
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso rebateu a afirmação da presidente Dilma Rousseff (PT) de que a corrupção é uma senhora idosa no Brasil. Ele disse que o escândalo de corrupção na Petrobras traz à tona algo completamente novo em termos de corrupção praticada no país, em que uma organização de pessoas estabeleceu um sistema de sustentação de partidos e ligação a empresas para abastecer os caixas das legendas. "Isso é um fato novo. Essa corrupção não é uma senhora idosa, é uma mocinha, um bebê quase", disse o tucano.
FHC repetiu a declaração que tinha dado ao longo da semana de que, pela proporção que a corrupção ganhou na Petrobras, considera impossível que o ex-presidente Lula e Dilma não soubessem, pois algo assim acaba sendo do conhecimento de todos no governo.
O ex-presidente argumentou que, em seu governo, a indicação política para cargos de diretoria na estatal, feita por partidos da base, era bem mais incomum. Ele se disse lembrar de duas indicações políticas - de José Coutinho Barbosa e do hoje senador petista, mas à época integrante do PMDB, Delcídio Amaral.
Impeachment
Apesar de dizer torcer para que Dilma possa terminar seu mandato, FHC voltou a defender que o impeachment, diferentemente dos clamores por golpe militar de alguns grupos, é um instrumento da democracia. E comparou os pedidos para afastamento da petista àqueles que ele viu durante o seu segundo mandato (1999-2002). "Esse 'Fora Dilma' é como o 'Fora FHC'. A Dilma hoje simboliza, é alvo dessa irritação. Mas não creio que seja transcrito em passos exatamente para tirá-la do poder. Vai depender da comprovação de delitos e da opinião pública", afirmou.
Sobre os cartazes e manifestações no dia 15, mesmo que minoritários, mas que pediam a volta da ditadura, FHC avaliou que são resultado da falta de coordenação atual entre as forças políticas organizadas. O vácuo, permite, segundo ele, o alastramento de ideias radicais. Mas, Fernando Henrique não acha que há espaço para esse tipo de ideia prosperar. "Eu não me amedronto com isso. Em muitos momentos da história, essa irritação é natural, mas não creio que isso vá prosperar pois a sociedade brasileira está bem organizada."