Se dependesse da presidente Dilma Rousseff não haveria uma avaliação sequer sobre os seus cem primeiros dias no Palácio do Planalto. Ela própria incentivou seus principais assessores a deixar de lado a efeméride e se concentrou nos últimos dias na viagem que fará à China. O silêncio público e a demonstração de autoridade nos bastidores são os dois principais sinais da nova gestão do Palácio do Planalto, mais discreta e ainda buscando desencarnar do antigo ocupante, o falastrão e conciliador ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 33 discursos que fez desde 1º de janeiro, Dilma raramente improvisou e não se permitiu sequer cortar as longas nominatas de autoridades, tantas vezes encurtadas por Lula, que raras vezes lia os textos preparados para os eventos que frequentava. A ex-ministra-chefe da Casa Civil também pediu comedimento a seu sucessor no cargo, Antônio Palocci, um político de longo histórico de convivência com a imprensa durante sua passagem pelo Ministério da Fazenda. Nos bastidores, petistas dizem que isso serve para fazer dela a face única da gestão.
As demonstrações de força vêm entre portas fechadas. Só começou a ceder espaço aos insatisfeitos do PMDB, partido que lhe deu seu vice, Michel Temer, depois da votação do salário mínimo de R$ 545 na Câmara dos Deputados. Com a adesão de todos os peemedebistas, aceitou fazer indicações de membros do partido na Caixa Econômica Federal e em outros postos de segundo escalão. Não terminou com a insatisfação de toda a legenda, mas ganhou crédito com os aliados atendidos, influentes na Câmara e no Senado.
A preocupação com a demonstração de autoridade é tão grande desde o início de sua gestão que Dilma trocou seu ministro da Saúde por conta de uma declaração precipitada de um de seus principais aliados. Bastou o governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, afirmar que seu secretário na área, Sérgio Côrtes, se tornaria ministro. A presidente o desautorizou por telefone e informou que mudou de ideia sobre quem assumiria a pasta. Acabou indicando Alexandre Padilha, petista que foi ministro de Relações Institucionais do governo Lula.
Quando seu chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o general José Elito Carvalho, afirmou que o Brasil não deveria ter vergonha nem orgulho do que aconteceu durante o regime militar (1964-1985), Dilma não disse publicamente nenhuma palavra sobre o assunto, mas chamou a atenção de seu assessor, antes que outros colegas de ministério ameaçassem pedir sua demissão logo no início do governo. Conseguiu ?sem nesse caso consultar o mentor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que fez várias vezes desde que assumiu o cargo.
Relação com o Congresso
Apesar das vitórias iniciais, Dilma teve sua primeira derrota política também nos bastidores. Queria indicar o líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), à presidência da Câmara dos Deputados. Uma rebelião no seu próprio partido a fez aceitar Marco Maia (PT-RS) como indicado a ocupar o cargo. Seu preferido acabou no mesmo cargo. E a presidente teve de ler nos jornais críticas contra o suposto excesso de paulistas em cargos-chave do governo.
?A presidente tem procurado tanto atender à ampla e heterogênea base que lhe dá sustentação, quanto dialogar de forma aberta e produtiva com a oposição?, diz Vaccarezza. ?Ela manifesta, assim, e a cada ocasião, verdadeira reverência ao princípio de autonomia e harmonia entre os poderes.? Para aliviar as tensões entre seus apoiadores, foi ao Congresso para ler sua mensagem presidencial ?um costume abandonado por Lula havia anos.
Os oposicionistas PSDB, DEM e PPS se mostraram presentes apenas na votação do salário mínimo nesses primeiros cem dias. Mas a aliança com sindicalistas da Força Sindical para aprovar um valor de R$ 600 ou de R$ 565 por mês fracassou. Apenas o primeiro pronunciamento de Aécio Neves (PSDB-MG) da tribuna do Senado voltou a trazer holofotes para os adversários da presidente.
?É o início do nono ano de um mesmo governo. Ainda que seja louvável o esforço da presidente de impor personalidade ao governo, tem prevalecido a lógica dominante em todo esse período. Não há ruptura entre o velho e o novo, mas o continuísmo das graves contradições dos últimos anos?, afirmou o mineiro, potencial candidato à Presidência em 2014 e visto como líder da oposição.