Fernando Chiarelli (PDT-SP) é um ex-deputado que não conseguiu se reeleger no ano passado e, portanto, perdeu todos os direitos e regalias a que um parlamentar tem direito. Menos um: ele continua morando às custas da Câmara, em um apartamento funcional. A Casa ainda não recebeu as chaves e tem tentado, sem sucesso, entrar em contato com Chiarelli. A queda de braço poderá parar na Justiça e o ex-parlamentar, ser despejado.
O prazo que Chiarelli e os demais ex-deputados tinham para devolver os imóveis funcionais esgotou-se no dia 3 de março, 30 dias após o início da nova legislatura. Até hoje, no entanto, mais de 70 dias após deixar o mandato, o paulista não entregou as chaves à quarta-secretaria da Câmara, órgão que cuida da ocupação de imóveis oficiais.
A reportagem do R7 esteve no apartamento na última quinta-feira (14) e falou, por interfone, com uma mulher que disse estar morando no local, mas que não quis se identificar. Procurado, Chiarelli ficou bastante exaltado: ?eu sei lá de apartamento funcional, eu já saí daí desde janeiro?.
- Eu estou aqui em Ribeirão, então você fala com a Câmara lá, não comigo.
Apartamentos semelhantes ao que Chiarelli ocupa irregularmente são avaliados em cerca de R$ 2,5 milhões de reais. O imóvel tem mais de 200 metros quadrados, quatro quartos e está localizado em região nobre de Brasília, na Asa Sul, quadra 311. Atualmente, há 130 deputados que assumiram o mandato este ano na lista de espera por um funcional.
O quarto-secretário da Câmara - que atua como espécie de ?prefeito? -, deputado Júlio Delgado (PSB-MG), conta que dezoito parlamentares não entregaram os imóveis dentro do prazo estipulado, mesmo tendo sido estendido até a quarta-feira de cinzas (9), após o Carnaval.
Todos os 18 foram notificados por uma carta e a devolução acabou sendo resolvida ?na base da conversa?, segundo o secretário. O último a entregar as chaves, com exceção de Chiarelli, foi José Paulo Tóffano (PV-SP), no último dia 4.
- Tem deputado hoje, com mandato, mas sem apartamento porque o cara [Chiarelli] não caiu na real que não é mais parlamentar.
Veja a breve conversa, por telefone, que a reportagem teve com Chiarelli na tarde da última sexta-feira (15). Grosseiro, o ex-parlamentar interrompeu as perguntas e fez ofensas pessoais à repórter, com a qual ele nunca teve contato.
O diálogo foi cortado subitamente porque Chiarelli desligou o telefone.
R7 ? Estou fazendo uma pesquisa sobre apartamentos funcionais e a Câmara me informou que o senhor foi o único ex-deputado que ainda não devolveu.
Chiarelli - Eu estou aqui em Ribeirão Preto. Eu sei lá de apartamento funcional. Eu já saí daí desde janeiro. Só se você ou tua mãe estão fazendo programa lá. Eu estou aqui em Ribeirão.
R7 - É porque eu estive...
Chiarelli - É porque o c*. Eu estou aqui em Ribeirão, então você fala com a Câmara lá, não comigo.
R7 - Eu estive no seu apartamento ontem e falei com uma...
Chiarelli - Ah, bem, eu estou aqui. Se no meu apartamento sua mãe está fazendo programa lá eu não tenho nada com isso.
Mais tarde, em nova ligação, o deputado disse que daria uma aula (sua profissão é professor) e pediu que ligasse mais tarde. Diante da insistência da reportagem, declarou: ?você não pode me tratar desse jeito. Se você continuar me tratando desse jeito, eu vou te chamar de biscate?. Chiarelli não mais atendeu às ligações.
Despejo
O quarto-secretário, Júlio Delgado, disse que Fernando Chiarelli poderá ser despejado do apartamento que ocupa irregularmente. No último dia 8, a secretaria enviou ao endereço uma segunda notificação de que o imóvel deve ser desocupado imediatamente.
Depois que o aviso retornar à Casa, Delgado poderá publicar uma portaria no Diário da Câmara dos Deputados invalidando o ato de ocupação assinado em 2009 entre Chiarelli e a secretaria. Feito isso, o próximo passo é acionar a Justiça comum, que poderá expedir um termo de reintegração de posse.
- Eu não vou ser conivente com uma pessoa dessas para amanhã eu estar respondendo a um processo judicial de improbidade por estar deixando alguém que não merece, mais do que não estar exercendo a função, estar ocupando um imóvel público.
?Língua afiada?
A grosseria revelada por Chiarelli na conversa com a reportagem ilustra seu perfil polêmico. O site oficial do ex-deputado traz uma biografia que enaltece seu apelido: língua afiada. O texto diz que o paulista ?acumulou brigas judiciais com vários políticos? e destaca a ?quantidade de ações proposta por ele contra supostas irregularidades cometidas por políticos?.
O deputado Júlio Delgado classificou as respostas de Chiarelli à reportagem como ?destrambelhadas?.
- Isso é muito triste e deselegante primeiro com a imprensa que faz a apuração que tem que ser feita dentro da realidade e, segundo, porque é alguém que parte para o xingamento.
O quarto-secretário disse que, depois de entregue, vai conferir pessoalmente a situação do apartamento. Ele teme que Chiarelli deprede o imóvel intencionalmente.
- Eu tenho uma ótima relação com todos os deputados. [...] Mas eu tive dificuldade de convivência no ano passado com um deputado porque eu nunca o considerei normal, que é o Chiarelli.
Professor da rede pública, Chiarelli assumiu uma cadeira na Câmara dos Deputados em abril de 2009, após falecimento de João Herrmann (PDT-SP). Nas eleições de 2010, recebeu 28,7 mil votos e não conseguiu reeleger-se. Foi vereador de Ribeirão Preto pelo PDS de 1993 a 1995.